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Edição Jornalística – PUC Minas

Economia

Estudantes de BH criam startup para acelerar empresas de refugiados

Welcome To. impulsiona negócios de refugiados e ajuda na construção de uma nova vida 

Por: Alexa Simon e Érica Morato

Língua, povo, cultura, clima e religião. São muitos os fatores de adaptação para um refugiado. Segundo o Estatuto do Refugiado, o refugiado é todo aquele que sai de seu país de origem por causa de perseguição, seja por raça, religião, política ou seja por pertencer a um grupo social minoritário. No Brasil, o indivíduo precisa estar em solo brasileiro ou na fronteira para que o pedido de refúgio seja feito. As dificuldades de construir uma nova vida e estabelecer-se economicamente são ainda maiores pelas diferenças culturais.

Foi pensando nisso que Maria Brizola, Bruna Schettino, Sarah Ruach e Ana Helena Baccarini criaram a startup Welcome To. em junho de 2018, para acelerar negócios de imigrantes e ajudá-los a abrir ou impulsionar suas empresas já existentes. “A gente queria construir um projeto que fosse social, mas com viés mais meritocrático, que possibilitasse ao refugiado desenvolver as capacidades inerentes nele, que fosse menos assistencialista”, explica a diretora comercial da startup, Maria Brizola.

Welcome To. 

A ideia surgiu quando Maria começou a fazer estágio no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), transcrevendo entrevistas de imigrantes que solicitavam refúgio no Brasil. Impulsionada pelo interesse no tema, Maria, em 2018, teve a oportunidade de viajar para Nova York, nos Estados Unidos, para participar de uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para jovens empreendedores. Lá ela conheceu o projeto “Tente”, uma iniciativa privada de um ex-refugiado que criou um banco de currículos para os refugiados, assim eles podiam se conectar com grandes empresas privadas que queriam fazer contratações. “Eu achei muito interessante esse projeto, conheci pessoas que trabalham nele e voltando para cá, conversei com as minhas colegas, que se interessaram pela temática”, conta Maria. 

A Welcome To. surgiu como uma possibilidade de ajudar refugiados a se instalarem em Belo Horizonte e crescerem economicamente através da consultorias de negócios, jurídica e de marketing. A startup conecta os migrantes que estão empreendendo a empresas privadas que precisam contratar ou oferecem ajuda pró bono, em troca de marketing social, ou seja, promovem essas empresas em troca da visibilidade da causa social.

Economia criativa 

A startup identificou que a maior parte dos refugiados em Minas Gerais e na capital mineira são sírios e percebeu que eles eram um público em potencial. Segundo dados divulgados pelo Diagnóstico de Migração e Refúgio no Estado de Minas Gerais, o estado abriga uma parcela significativa dos refugiados do país e 60,7 % deles são sírios. A maior parte dessas pessoas são homens, 78,7% e têm entre 19 e 59 anos.

De acordo com Maria, as principais dificuldades encontradas pelos refugiados são relacionadas à língua, à burocracia brasileira e as barreiras do mercado de trabalho, que ainda é muito restrito aos imigrantes. “Os sírios são muito qualificados, a grande maioria é graduada e pós-graduada. Só que, ao chegar aqui, devido à burocracia do Brasil, os entraves jurídicos e culturais, eles não conseguem validar o diploma, não conseguem se realocar no mercado de trabalho, é como se eles não tivessem nem o ensino médio. Então, eles empreendem através da economia criativa, que é algo voltado para culinária ou para cultura deles, que é o que eles mais são familiarizados.”, afirma ela.

Para o professor de Economia do Ibmec e sócio-proprietário da Leroy Associados, Felipe Leroy, outra grande barreira é o preconceito existente no mercado mineiro, que ainda é muito fechado. Segundo ele, o empreendedorismo é uma alternativa de sobrevivência: “Existe uma certa discriminação no mercado de trabalho para imigrante, proveniente de língua, cultura, confiança. Em Minas Gerais pior ainda, porque mineiro é muito desconfiado”.

A loja Baity – Delícias Árabes Artesanais surgiu dessa necessidade de empreender. O dono é Khaled Tomé, um jovem empreendedor que veio para o Brasil para fugir da guerra na Síria.  Entre longas viagens e repentinas mudanças de país, Tomé e sua família passaram pela Síria, Líbia, Egito e Líbano até conseguir toda a documentação para embarcarem para o Brasil. “O único país que oferece visto de turismo é o Brasil. Eles também não te dão nada, mas você entra como turista, e se gostar, pode ficar. E é, só depois que você chega, que você procura a Polícia Federal e pede refúgio”, explica Khaled.

Há quatro anos em Belo Horizonte, Khaled enfrentou muitas dificuldades para conseguir organizar e estabilizar a vida aqui. “Eu sou engenheiro, meu pai é veterinário e meu irmão é arquiteto; não sabíamos que nosso diploma não valeria nada aqui. Começamos a fazer comida árabe e, de pouco em pouco, fomos aumentando a clientela”. Com uma proposta diferente e inovadora, Khaled criou a Baity, para ser muito mais do que uma loja de comida típica. “Nosso ramo não é comercial e não somos vendedores de produtos árabes, somos representantes da nossa família, da nossa cultura e do nosso país. A Baity é uma viagem para o Oriente Médio”, conta Khaled. 

Acreditando no potencial do negócio, a Welcome To. fez a primeira parceria com Khaled para impulsionar a Baity e transformar a empresa que, na época, não estava sendo rentável. “Quando a gente conheceu o Khaled, a empresa estava em um momento que não estava sendo sustentável financeiramente. Ele passava dificuldade e não entendia direito as normas burocráticas brasileiras, queria expandir o negócio, mas estava com dificuldade por causa dos contratos em português”, afirma Maria.

Em parceria com a Empresa Júnior do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), a Welcome To. criou um plano de negócios completo para a loja. “Fizemos o diagnóstico da empresa, desde a análise contábil, de marketing, de fluxo de caixa, financeiro e ajudamos na implementação dessas medidas”, explica Maria Brizola. Khaled ressalta a importância dessa parceria. “Entramos no Ibmec para eles nos ajudarem a ter alguma segurança para o futuro. Por enquanto, se acontecer algum acidente, a gente não tem como fazer nada, nós perderíamos tudo.”, constata Khaled. 

Laços e tabus 

Muito além do projeto e das realizações econômicas, os laços que se estabelecem são os frutos mais importantes desse trabalho. “É muito gratificante porque a gente se envolve com a família, conhece a história, vê eles crescendo, o negócio prosperando e vê que a gente está impactando de maneira significativa. Somos um porto seguro para eles e viram nossos amigos”, conta Maria. E para Khaled, a família síria ganhou novas integrantes. “São meninas maravilhosas, boas amigas. A gente gosta muito delas e consideramos elas como a nossa família daqui”, conta Khaled.

Segundo a publicitária responsável pela comunicação da empresa, Ana Helena Baccarini, além dos ganhos econômicos, há um benefício social muito importante. “É um projeto que contribui para a sociedade, não somente para os refugiados, mas por trazer à tona as reflexões em torno dessa causa e de que maneira a gente pode contribuir. Pode ser um impacto que dentro do mercado seja a princípio irrelevante, mas a transformação que tem na vida de cada uma dessas pessoas, dessas famílias, é muito relevante”, ressalta a publicitária. 


Em sua loja no Mercado Central, Khaled aposta no empreendedorismo. (Arquivo pessoal)

A diretora comercial da startup, Bruna Schettino, pontua que outro papel importante da Welcome To. é desmistificar alguns tabus, principalmente o de que migração é sinônimo de desemprego para a população local. “Muitas pessoas acham que os refugiados vão roubar os empregos, que vai aumentar o desemprego e é uma coisa que não tem uma causalidade. Isso não é uma regra em nenhum lugar. A gente está aqui para desmistificar principalmente pensamentos econômicos, financeiros que as pessoas têm. Tudo tem um outro lado e fazer parte disso é bem bacana.”, conta ela.

Felipe Leroy ressalta ainda que o empreendedorismo geralmente está aliado à geração de novos empregos a população. “Quando eles chegam no Brasil e abrem um novo negócio, a tendência é de gerar novos empregos. Então pelo contrário, eles não roubam empregos dos brasileiros, eles acabam gerando novos empregos”, afirma ele. 

Apesar de reconhecer os ganhos ao longo do trabalho com a Welcome To., Khaled admite os desafios diários que enfrenta e os que ainda vai ainda estão por vir. “As dificuldades estão presentes todos os dias, mas não estamos aqui para passar um tempo e depois voltar para a Síria, estamos aqui pra ficar e viver o futuro. Nossa ideia é não olhar para trás, é olhar para a frente”.


Equipe completa da Welcome To. Ana Helena Baccarini, Maria Brizola, Bruna Schettino e Sarah Ruach (Arquivo Pessoal).

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