Conexão 13

Edição Jornalística – PUC Minas

CulturaEsportesPolítica

Seleção Brasileira: significados políticos e culturais por trás dos uniformes para a Copa do Mundo do Catar

Lançadas no início de agosto, camisas do Brasil para o novo Mundial dividem opiniões nas redes sociais e levantam importantes discussões a respeito de brasilidade e representação cultural

Por João Victor Pena

Mais que um simples uniforme, a camisa número 1 da Seleção Brasileira de Futebol representa muito para o povo brasileiro. Entre significados políticos e comportamentais, a ‘amarelinha’ atravessa décadas e se mantém relevante mesmo nos momentos conturbados do país e nas fases mais fracas do time dentro de campo.

Criada pela antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), a peça que contempla as quatro cores da bandeira nacional foi utilizada pela primeira vez em 1954 e participou dos títulos do Brasil nas Copas do Mundo de 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002.

Vista mundo afora como um símbolo de brasilidade, a camisa mais famosa da nossa cultura continua gerando discussões ano após ano. Em 2022, o cenário não é diferente. No início de agosto, a Nike lançou a nova linha de uniformes para o Mundial do Catar, marcado para começar em 20 de novembro.

Além da presença de jogadores das equipes masculina e feminina, o clipe de apresentação das camisas chama atenção pela participação dos cantores Djonga e MC Hariel, do ex-BBB Paulo André e do influenciador Gaulês. 

Garra: história e narrativa por trás dos uniformes

Uma das tentativas da Nike com o lançamento dos novos uniformes da Seleção é conciliar diferentes pessoas em prol de um mesmo objetivo: o título da Copa do Mundo. Nesse caso, o que une os brasileiros é sua determinação, fator que não os deixa desistir.

No lançamento das camisas, a fornecedora mostra isso por meio da palavra-chave “garra”. O substantivo aparece diversas vezes na campanha publicitária e ganha destaque com a hashtag #VesteAGarra.

“Garra. É a vontade de seguir em frente. É sangue no olho. É pressão. Dentro e fora do campo. É coletivo. Representa mais de 210 milhões de brasileiros. É a nossa Garra. Veste a garra. Nossa garra segue em frente. #VesteAGarra”, diz um dos materiais de divulgação.

Em entrevista à Band, o diretor de Produto Sênior da Nike Global, Aaron Barnett, confirmou as intenções do projeto e disse que valorizar o futebol significa homenagear os atletas, a juventude e as comunidades que o definiram. “A nova coleção da Seleção Brasileira celebra a coragem e a criatividade de uma equipe que nunca desiste”, afirmou.

A marca também utiliza garra dentro de outro contexto. A palavra é usada em referência direta ao membro da onça-pintada, felino visto como símbolo de coragem e valentia e inspirou a textura das camisas amarela, azul e preta da linha.

O comportamento da onça e dos brasileiros também é referenciado no principal vídeo de divulgação dos uniformes. Além de aparecer grafitado no fundo do clipe, o animal tem seu jeito feroz mencionado na música cantada pela rapper N.I.N.A.

“É que nóis tem sede de vitória. Brasileiro não desiste nunca. Vamo ver hoje quem tem mais voz. De vírgula no peito (símbolo da Nike) tomando na raça o que é nosso com um jeito feroz. Fala lá que a Seleção é nóis”, diz a artista na letra.

Conexões culturais e de mercado

Para fomentar a conexão entre brasileiros, a Nike colocou representantes de diversas tribos dentro da campanha dos novos uniformes. Além do futebol e de outras modalidades olímpicas, os e-sports também ganharam seu espaço.

A cultura de rua, porém, foi o nicho mais abrangido nos materiais de divulgação. O movimento está presente na música, com artistas de rap e funk na trilha sonora, e do grafite, que é um dos elementos centrais da parte visual do projeto.

Essa coleção também tem uma forte ligação com a moda. Hoje, as camisas de times e seleções não servem apenas de uniforme para torcedores e jogadores utilizarem nos jogos, mas também são vistas como peças importantes no streetwear

Dentro de países da América Latina e Europa é comum que materiais esportivos mesclem dentro dos estilos urbanos. Clubes de grande alcance do futebol mundial, como Arsenal e Paris Saint-Germain, apostam nessa iniciativa para expandir suas marcas e furar a bolha de consumidores. 

Uma forma de fortalecer esses laços é valorizar a ligação da moda com a música. Por terem letras que falam muito do lifestyle dos cantores, os já mencionados rap e funk são alguns dos grandes promotores do streetwear. Principalmente em um país como o Brasil, em que a cultura futebolística é muito forte nas periferias.

Até mesmo a Jordan Brand, empresa referência nesse ramo, mas que tem suas origens ligadas ao basquete, investiu no futebol nos últimos anos. Além de lançar diversas coleções em parceria com o PSG, a subsidiária da Nike que leva o nome de Michael Jordan realizou ações comerciais com os atacantes Neymar e Mbappé.

A simbologia política do amarelo

Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2014, o uniforme da Seleção Brasileira ganhou uma conotação política muito forte no Brasil. Nesse período, a amarelinha passou a ser um objeto comum nas manifestações contra a ex-presidenta, principalmente às vésperas da realização da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de 2014. 

Com a ascensão dos movimentos bolsonaristas nos anos seguintes, elementos como a camisa da CBF e a bandeira do Brasil, que antes eram tidos como sinônimos de brasilidade e representação cultural, passaram a ser vistos como símbolos de grupos nacionalistas de direita.

Já em 2022, após o lançamento da coleção de uniformes para o Mundial do Catar, esse assunto voltou a ganhar destaque. O ponto mais comentado do vídeo oficial da nova linha da Nike foi a presença do rapper Djonga. Conhecido por seus fortes posicionamentos políticos, o belo-horizontino é crítico ferrenho do presidente Jair Bolsonaro.

Em abril, o artista subiu no palco do Breve Festival, na capital mineira e, vestido com a camisa da Seleção Brasileira, escutou o público xingar Bolsonaro. Após o protesto, ele se pronunciou:

“Com essa camisa aqui é ainda mais gostoso ouvir vocês gritarem isso. Com essa camisa aqui é mais gostoso, porque os caras acham que tudo é deles, né. Eles se apropriam do tema família, eles se apropriam dos nossos símbolos… Os caras se apropriam de tudo. Mas é o seguinte: é tudo nosso, e nada deles”, disse Djonga.

A decisão de colocar o rapper nos materiais de divulgação da linha foi amplamente repercutida por portais nacionais como um trunfo da CBF e da Nike para despolitizar o uniforme canarinho e reaproximar públicos “que estavam brigados” com a Seleção antes da Copa do Mundo começar.

Outra medida adotada pela fornecedora esportiva foi proibir a personalização de camisas com palavras de cunho político em sua loja oficial. Além de Jair Bolsonaro, os outros candidatos à Presidência, como Lula e Ciro Gomes e os termos comunismo e socialismo não podem ser customizados.

Contudo, essa proibição gerou polêmicas no campo religioso. Nas redes sociais, usuários reclamaram que não conseguiam colocar os nomes de orixás em seus uniformes, mas que os termos Jesus e Cristo estavam sendo aceitos.

Em nota enviada à Folha de S. Paulo, a Nike afirmou que o problema é oriundo de uma falha no sistema e já foi corrigido. A empresa ressaltou não permitir customizações com palavras que possam conter qualquer cunho religioso, político, racista ou palavrões.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *