“Roma” e as metamorfoses da vida
Em meio a mudanças, entrevistados contam suas rupturas de vida e as lições que absorveram delas
Por Bruna Leão
“Roma” é um filme com um retrato comovente da vida familiar no México, nos anos 70. A história é vista pela perspectiva de Cléo, uma empregada doméstica e babá que trabalha para uma família de classe média. Dirigido por Alfonso Cuarón, o filme ganhou o Oscar de 2018 de melhor diretor, melhor filme estrangeiro e melhor fotografia, além de ter sido indicado a outros sete prêmios e também ganhar o Leão de Ouro no Festival de Veneza.
Em “Roma” não existe jornada do herói, não há uma grande trama, nem uma narrativa propriamente dita. Somos somente observadores curiosos acompanhando a rotina diária de Cléo e somente dela, afinal o que ela não vê nós não sentimos. Baseado na infância do diretor, o filme traz um recorte de sua história, cheio de perspectivas de transformações, em um ano com diversos
acontecimentos inesperados que afetam a
vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais. Por meio dessa perspectiva, questionei o momento de ruptura na vida de algumas pessoas e os resultados consequentes.
Perdas e aprendizados
Em alguns momentos a vida traz surpresas não planejadas. No filme “Roma” acompanhamos, através da visão de Cléo, a separação dos patrões. Se inicialmente o filme conta com o desespero da mulher em ficar sozinha, no final encontramos uma mulher forte e determinada que aceita a situação e se torna sua melhor versão.
A perda de alguém e as dificuldades consequentes trouxeram forças e mudanças não imaginadas, como na história de Natalí Matos. Há cinco anos ela perdeu a sua irmã para o câncer em uma luta que durou pouco tempo, mas que deixou aprendizados para o resto da vida. Apesar de ser um momento triste, foi muito enriquecedor pessoalmente e de mudanças radicais no seu modo de pensar, agir e ser.
Depois desse momento ela se tornou uma pessoa mais decidida, mais forte, inclusive para tomada de decisões. “Querendo ou não eu acabei trazendo algumas dessas coisas para minha vida profissional, porque antes disso eu não tinha muita coragem”, conta. Depois do falecimento da irmã, ela trocou de trabalho, aprendeu a cuidar melhor do seu corpo e alma, a se alimentar melhor, a praticar atividades físicas, mas principalmente a aceitar alguns momentos ruins e aprender a viver situações diferentes.
Natalí aprendeu a não julgar determinados acontecimentos, a entender as particularidades de cada pessoa e a viver cada momento. A experiência desenvolveu seu lado mais humano e igualitário, de ver o lado bom das situações ruins, ser mais flexível e “não pensar em coisas que não valeram a pena, a perda o sofrimento, ou as decisões que talvez tenhamos tomado errado”.
Escolhas para melhorar
Em alguns casos mudanças acontecem por decisões que tomamos e por nossa disposição de mudar, como é o caso de Flávia Ribeiro. Flávia saiu de Itabira há cinco anos, interior de Minas Gerais, para estudar Cinema na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Atualmente ela já concluiu o curso e este ano termina a segunda graduação em Publicidade e Propaganda, também na PUC. Questionada de um momento de ruptura de sua vida, ela garante que a mudança para Belo Horizonte, impulsionada pelos estudos, fez toda a diferença.
“Eu deixei tudo lá, mas estava doida para isso”, confessa. Ela conta a importância de ser responsável por si mesma e que a maior mudança percebida é o modo de ver o mundo. “O que mudou foi meu modo de ver as coisas, antes eu queria mudar o mundo. Quando você passa por inúmeras situações, você percebe que a única coisa que você pode salvar é você, sabe? Você não pode salvar o mundo, mas com pequenas atitudes você pode salvar você e isso pode ser contribuição para o mundo”, acredita.
Outra pessoa que acreditou que poderia mudar seu destino e ter seu mundo melhor é Letícia Maria. A jovem de apenas 17 anos já trabalha por conta própria e tem muitas clientes que conquistou com determinação e aprendizado. Ela é designer de sobrancelhas e também realiza extensão de cílios na cidade de Florestal (MG) há cerca de um ano e meio.
Ela conta que dois anos atrás ocorreu uma mudança fundamental em sua vida. “Acho que um momento de ruptura foi quando entreguei minha vida para Cristo. Tudo seguia de modo ruim, a lógica era ‘ser feliz’ de dia e chorar à noite. Era uma vida sem sentido, triste e nunca acabava essa tristeza. De repente comecei a ir à igreja e minha vida mudou completamente, da água pro vinho. Vi um sentido na vida, a tristeza foi embora e tudo mudou”, relata.
Administrando sua vida
Depois de três anos trabalhando no salão da tia, Lívia Andrade resolveu mudar e realizar seu grande sonho: “Chegou um momento em que tive de fazer escolhas porque estava com alguns projetos pessoais e de certa forma algumas insatisfações profissionais. Levei cerca de um ano, porque estava ainda muito apegada, mas eu cheguei à decisão de trabalhar por conta própria”. A maquiadora conta ainda que agora é diferente: “eu não absorvia toda a pressão de ser a dona do próprio negócio”.
Lívia, inicialmente, não tinha uma estrutura física adequada, estava em fase de adaptações, com gastos em investimento e um certo receio em divulgar seu trabalho, já que atendia na varanda de sua casa. Ela conta que isso afetou o seu emocional, chegando a ter até depressão. “Mas hoje eu estou muito realizada, consegui refazer a minha cartela de clientes, estou conseguindo investir dinheiro nos meus cursos, nos meus materiais e, ainda assim, sobrar dinheiro para meu uso pessoal” e completa: “eu tive que ser mais forte do que meus medos, vencer minhas inseguranças e com o tempo eu fui saindo da fossa e reconstruindo minha vida profissional”.
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Epílogo: Essas são somente algumas das histórias de rupturas e de metamorfoses. Nos meus contatos, encontrei histórias de tentativa de estupro, casamento da irmã, perda de um pai, violência doméstica, doenças e gravidez jovem. Infelizmente, esses relatos não estão disponíveis no texto, mas são histórias de pessoas que enfrentam ou enfrentaram um mundo para serem quem são. Obrigada a todos que contribuíram na construção desta narrativa e que me ofereceram um pouco do relato de sua experiência.
Vídeo disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=FkzidhAg45U