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Edição Jornalística – PUC Minas

Jornalismo de Nicho

Ser mulher é obstáculo no Jornalismo Investigativo do Brasil

Gênero ainda é visto como barreira dentro e fora das redações, revelando um cenário de desigualdade persistente

Ana Clara Cardoso, Giovanna Lara, Julia Coelho, Karol Noronha e Maria Antônia Rebouças

O jornalismo investigativo, considerado uma das práticas mais nobres da profissão por seu papel fiscalizador e transformador, ainda é um território de obstáculos para mulheres no Brasil. Apesar de representarem 58% da categoria no país, segundo dados do perfil dos jornalistas brasileiros (2021), as profissionais ainda lutam por reconhecimento, segurança e liberdade no exercício da profissão.

A dificuldade começa pela própria resistência dentro das redações. A maioria das profissionais relata que precisam justificar constantemente sua competência, enfrenta desconfiança ao propor pautas e são vítimas frequentes de assédio moral e sexual. Em um ambiente marcado por relações de poder historicamente masculinas, o gênero ainda é visto, por muitos, como um fator limitador e não como uma perspectiva enriquecedora.

“Eu percebia que, se tivesse uma matéria mais complexa, de economia, eles sempre achavam que apenas um homem daria conta. Era sutil, mas acontecia. E todas nós, mulheres, percebíamos isso”, relata a jornalista investigativa Márcia Queiroz, que atuou em veículos como o jornal Hoje em Dia. “Teve uma vez em que eu me manifestei. Eu já era editora e vi que meu chefe sempre confiava as pautas mais relevantes a homens. Me posicionei porque acho importante a gente se colocar, provar que é capaz”, conta.

Além dos desafios internos, a violência contra mulheres jornalistas fora das redações também é crescente. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Instituição Gênero e Número, apontou que 83,6% das jornalistas já sofreram algum tipo de violência psicológica, como insultos verbais, humilhações públicas e ataques virtuais. Nas redes sociais, os ataques muitas vezes ganham tom sexualizado e misógino, com o intuito de deslegitimar o trabalho dessas profissionais.

Casos emblemáticos ilustram o problema. A jornalista Patrícia Campos Mello, por exemplo, foi alvo de uma campanha de difamação após revelar o uso de fake news em campanhas eleitorais. Ela sofreu ataques coordenados nas redes sociais, incluindo mentiras com conotação sexual, reproduzidas inclusive por autoridades públicas. 

A jornalista Schirlei Alves também enfrentou represálias após expor irregularidades no julgamento de Mari Ferrer, em um caso que mobilizou o país contra a violência institucional. O padrão é claro: mulheres que ousam investigar o poder, desafiar estruturas e contar histórias silenciadas são atacadas não só como profissionais, mas como mulheres.

“O jornalismo é um ambiente para os fortes. E a mulher tem que ser ainda mais firme. Muitas vezes precisei mudar meu jeito. Sempre fui uma pessoa doce, mas entendi que precisava ser dura para ter respeito”, conta Márcia. Para ela, adaptar a postura foi uma exigência para sobreviver em um espaço historicamente dominado por homens.

Ela também destaca como o gênero influencia o olhar sobre determinadas pautas: “O olhar da mulher influencia, sim. Por exemplo, quando lidamos com questões femininas, logo pensamos em valorizar a mulher. Se for uma matéria sobre maternidade, temos um envolvimento e uma dedicação diferentes. Lembro de uma matéria sobre meninos que moravam nos presídios com as mães. Eu que tive a ideia dessa pauta. Outros repórteres homens já tinham ido lá e nunca tinham visto isso”, afirma Márcia. 

Além disso, a identificação entre jornalista e entrevistada também muda o resultado das reportagens. De acordo com a jornalista investigativa as fontes femininas se sentem mais à vontade para conversar com profissionais mulheres. Isso porque existe uma escuta, uma sintonia que faz diferença. “Quando a gente trata de violência, de comportamento, de maternidade, nosso olhar tem outro cuidado, outra profundidade” diz Márcia.

Mas ser mulher também implica conciliar múltiplas jornadas. A maternidade, frequentemente, é vista como um empecilho ao avanço profissional. “Quando meu filho nasceu, enfrentei muitas dificuldades. Eu trabalhava muito, viajava nos fins de semana, e sempre me perguntavam: ‘E seu filho? Seu marido deixa você viajar à noite?’ Essas cobranças nunca são feitas aos homens”, relata Márcia. “Em alguns momentos, tive que abrir mão de oportunidades para estar mais próxima da família. Isso afasta muitas mulheres dos cargos de liderança”, conta.

No campo investigativo, os riscos são maiores. O tempo necessário para apuração profunda, o envolvimento com temas delicados e o enfrentamento de fontes poderosas tornam essa área especialmente sensível. Para as mulheres, esses fatores se somam ao medo constante de perseguições, ameaças e à sobrecarga de precisar provar o seu valor.

“Essa editoria exige mais das mulheres, tem que ter coragem, persistência e indignação. E é preciso resistir. Porque quando a mulher ocupa esse espaço, ela muda a forma como a história é contada. Ela amplia a memória coletiva, trazendo à tona experiências e dores que muitas vezes ficam invisíveis.”
Márcia Queiroz

O que está em jogo não é apenas representatividade, mas justiça narrativa. Todo mundo fala que o jornalista conta histórias, mas quais histórias estão sendo contadas? E por quem? O jornalismo investigativo feito por mulheres não apenas revela injustiças — ele também repara silêncios históricos.

*Trabalho supervisionado pelo professor de jornalismo Getúlio Neuremberg

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