Recomeçar longe de casa: o que ninguém te conta sobre o intercâmbio universitário
Por trás das fotos em pontos turísticos, estudantes enfrentam saudade, choque cultural e descobertas que não cabem no diploma
Ana Cecília Araújo, Júlia Maria Sousa, Mariana Maia, Nathália Ferreira
Fazer um intercâmbio universitário continua no topo da lista de desejos de muitos estudantes brasileiros. A promessa de viver em outro país, estudar em uma instituição estrangeira e imergir em outra cultura parece irresistível — e, de fato, pode ser uma experiência inesquecível. Mas o que acontece quando o encantamento da partida encontra os desafios do cotidiano?
Entre passagens compradas e malas cheias de expectativa, o que poucos contam é que recomeçar em outro país envolve mais do que uma nova rotina acadêmica: exige reinvenção pessoal.
Choque cultural, barreiras linguísticas, saudade, burocracias e pressão por desempenho são só alguns dos ingredientes do pacote que não aparece nas fotos de intercambistas em frente à Torre Eiffel ou ao Coliseu. Há também o lado menos visível, a solidão, a distância da família, o custo financeiro e as expectativas criadas em torno da ideia de sucesso internacional.
Pedro Queiroz, estudante do 7º período de Relações Internacionais, viveu isso na pele. Em 2024, passou um semestre na Università Degli Studi di Roma, Tor Vergata, na Itália. Chegou tímido, inseguro com o inglês — idioma em que aconteciam as aulas — e assustado com o novo formato de ensino.
“Eu sempre fui muito tímido e tinha vergonha de falar inglês em público. No começo, foi bem complicado, mas aos poucos fui me soltando”, conta. As apresentações orais eram constantes e, no início, a ansiedade pesava. “Depois percebi que a maioria também estava na mesma situação. Ninguém ali estava falando a própria língua. Isso me tranquilizou.”
A saudade da família, de falar português no cotidiano e até da comida caseira bateu forte. Para contornar isso, Pedro se aproximou de outros brasileiros e formou vínculos que o ajudaram a se sentir menos estrangeiro. “Era um pouquinho de casa lá, né?”, relembra.

Procura por intercâmbio cresce entre os estudantes
Apesar dos perrengues, o número de brasileiros que decide estudar fora segue crescendo. De acordo com o Student Travel Bureau (STB), 2024 registrou um aumento de 15% no total de intercâmbios em relação ao ano anterior. O salto mais expressivo foi no intercâmbio universitário de curta duração (um semestre), que subiu impressionantes 200%. Programas de graduação e pós-graduação cresceram 53%, e até os tradicionais cursos de idiomas tiveram alta de 10%.
Os destinos favoritos variam de acordo com o objetivo: para quem quer aprender inglês, lideram Inglaterra, Canadá, Estados Unidos, Austrália e Irlanda. Já quem busca um terceiro idioma tende a olhar para França, Espanha, Alemanha, Itália e Coreia do Sul. No ensino superior, Portugal também ganha espaço pela afinidade linguística e menor barreira de adaptação inicial.
Segundo projeções do STB, a procura deve crescer 20% em 2025, com destaque para áreas como negócios, medicina, tecnologia, cinema, psicologia e inteligência artificial.
A tendência é confirmada por dados da Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio (Belta), que anualmente realiza uma pesquisa sobre o setor. Segundo o levantamento mais recente, 85,7% dos estudantes brasileiros demonstraram interesse em realizar um intercâmbio. Em 2023, o mercado teve um crescimento de 21,68% e movimentou cerca de R$ 4,6 bilhões.
Para Maria Paula de Oliveira Andrade, analista da PUC Minas Internacional, experiências internacionais são muito bem vistas por recrutadores e empresas, principalmente em setores que têm como finalidade a atuação internacional, como tecnologia e relações internacionais.
“Nesse tipo de mercado, é esperado que os colaboradores possuam competências globais para lidar com os desafios rotineiros. Em áreas de atuação tradicionalmente distantes do internacional, ainda que não sejam esperadas, as experiências internacionais exercem um papel importante, principalmente no sentido do desenvolvimento de competências relevantes para aquela área de atuação”, explica.
“Foi a melhor e mais difícil coisa que já fiz”
Sara de Jesus, aluna do 6° período de Jornalismo, embarcou para o Instituto Politécnico de Viseu, em Portugal. Mas mesmo com o idioma em comum, o choque foi inevitável. “As cadeiras são todas juntas, as aulas duram cerca de três horas e você passa o dia inteiro na faculdade. A forma como somos avaliados também é muito diferente. Demorei a me adaptar.”

Além do ritmo acadêmico, Sara enfrentou outro obstáculo comum a quem cruza fronteiras com uma mochila cheia de sonhos: o orçamento. O custo de vida na Europa pode variar de 800 a 1.500 euros por mês, enquanto nos Estados Unidos a média fica entre 1.500 e 3.000 dólares, dependendo da cidade. Na Austrália, os custos mensais giram entre 1.600 e 2.000 dólares australianos; no Canadá, entre 1.200 e 1.500 dólares canadenses.
A estudante de jornalismo reforça a importância de se programar, levando em conta a oscilação da moeda do país de destino em relação ao real. “Por mais que digam que lá fora é mais barato, é mais barato para quem não precisa converter. A não ser que você tenha uma bolsa, precisa ter um bom pé de meia”, alerta Sara.
Pedro também tomou medidas para manter o controle financeiro durante o intercâmbio: escolheu morar perto da universidade para economizar com transporte, buscou locais com bom custo-benefício para alimentação e fez questão de manter uma reserva para emergências.

Preparar o bolso — e o emocional
Se organizar financeiramente é importante, cuidar da saúde emocional é imprescindível. Lidar com o frio de outro país, o distanciamento cultural e a ausência da rede de apoio pode gerar momentos de solidão e estresse.
“Portugal é um país mais frio, com pessoas mais reservadas. Nem sempre você encontra um ombro amigo fácil. Mas nesses dias difíceis a gente aprende. Uma vez acabei desabafando com uma alemã, e foi aí que percebi que meu inglês era melhor do que eu imaginava”, brinca Sara.
Experiências assim, apesar de difíceis, deixam marcas profundas. Segundo a pesquisa Education at a Glance 2024, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), viver e estudar fora do país é cada vez mais valorizado por empresas. Além da fluência em outros idiomas, os estudantes costumam voltar com mais autonomia, adaptabilidade, organização e segurança para lidar com imprevistos — qualidades muito buscadas no mercado.
Intercâmbio feito, e agora?
Mas atenção: o intercâmbio, por si só, não garante uma carreira de sucesso. Para a analista da PUC Minas Internacional, é preciso saber transformar a vivência em argumento.
“Não basta apenas mencionar que fez intercâmbio. É necessário mostrar que competências foram desenvolvidas, o que foi aprendido e como isso se conecta com a área de atuação. A experiência deve ser bem posicionada no currículo e nos processos seletivos”, explica Maria Paula.
Ela também reforça que o maior ganho nem sempre está só na sala de aula. Participar de grupos de pesquisa, eventos, projetos e conviver com a diversidade pode ser ainda mais formativo do que as disciplinas obrigatórias. “E essa jornada não termina com o intercâmbio. O desenvolvimento profissional precisa continuar.”
Lar doce lar, com outro olhar
Ao retornar ao Brasil, muitos estudantes enfrentam o chamado ‘choque de volta’, ou o reencaixe no país de origem. “Foi meio estranho no começo. Saí de um inverno congelante e voltei par um verão de 35 graus! Mesmo tendo morado aqui a vida inteira, depois de seis meses em outra cultura, a gente estranha a volta”, lembra Sara.

Ainda assim, tanto ela quanto Pedro são unânimes: valeu a pena.
“Eu ainda acho que o intercâmbio é um diferencial no currículo e incentivo todo mundo que tiver a oportunidade. Você cresce em todos os sentidos”, diz Pedro.
Sara resume a experiência como a melhor, e também a mais difícil, que já viveu. Para ela, o intercâmbio vai além do impacto no currículo. “No papel, o intercâmbio realmente abre portas. Mas, mais do que isso, ele muda quem você é. Você volta com uma versão mais forte e mais sua de si mesma”, finaliza a estudante.