Rádio: “meu parque de diversões”
Escrito por: Alice Stéfany Gomes Ribeiro de Oliveira e Mariele Vitória Furtado Ferreira
Grupo: Alice Stéfany, Ana Paula Valentim, Lara Pozzolini, Mariele Vitória e Raquel Maria
“É onde eu me sinto em casa, me sinto num parque de diversões”.
Em uma tarde quente de quarta-feira do mês de outubro, na sala do Jornal Marco, no Campus Coração Eucarístico da PUC Minas, Getúlio Neuremberg de Faria Távora falou sobre trajetória de vida, especialmente de sua longa carreira como jornalista no rádio. Antes de entrarmos na sala e dar início à conversa, encontramos com Getúlio no corredor, que já demonstrou, previamente, sua paciência e gentileza em compreender a ansiedade e o nervosismo de iniciante das entrevistadoras. A entrevista foi realizada à mesa de reunião de pauta, cercada pelo ambiente da redação do Jornal Marco – metalinguagem de um produtivo bate-papo.
Formado em Comunicação Social com habilitação em jornalismo no UniBH em 1992, Getúlio é da época da máquina de escrever e da turma que só começou a trabalhar com celular a partir de 1994, mesmo assim, com apenas um para toda a equipe. Em seu caminho de 31 anos como jornalista, sendo 25 deles como professor simultaneamente, presenciou diversas situações nesse ramo. Logo quando se formou, ainda quando estava em um emprego provisório em uma construtora para sustentar seus gastos básicos, foi indicado por uma colega para seu primeiro emprego na área do jornalismo, que ele revela ter sido uma grande escola: a Rádio Globo Minas, onde trabalhou entre 1992 e 1993. Em seguida, Getúlio migrou para a Rádio Itatiaia, onde ficou entre o agosto de 1993 e fevereiro de 1994. Quando a Rádio Globo Minas se tornou CBN em Belo Horizonte, o jornalista deixou a Itatiaia – mesmo considerando que essa rádio era um sonho da maioria dos jornalistas em formação – para ser um dos fundadores da nova emissora. Foi lá que ele consolidou uma imagem marcante como jornalista de rádio, uma vez que muitas pessoa ainda o reconhecem como “jornalista da CBN”.
Neuremberg, entre 2002 e 2003, estava trabalhando no jornal JK Notícias, a convite de uma aluna da Universidade Fumec, que, concidentemente, era sindica do Edifício JK. Saiu desse emprego em 2003 para ser um dos fundadores da Band News FM por um convite de Luiz Carlos Bernardes, o Peninha. Após um período de transmissão experimental, a emissora estreou em 2005 e Getúlio saiu em 2006 para ser superintendente na Rádio Inconfidência (estatal). Ainda em 2006, ele estava escrevendo seu projeto que resultou na dissertação de mestrado intitulada A política na mídia, política na mídia: a cobertura das eleições presidenciais de 2006 nas rádios CBN e Band News FM. Na época em que aceitou o convite para comendar o jornalismo na Rádio Inconfidência e iniciou seu mestrado, também estava em mais outros três projetos: a Rádio Inconfidência (2006-2011), e dando aula como professor na Fumec (1999-2007).
O jornalista vivenciou múltiplas mudanças no universo radiofônico. A popularização do FM, que começou em 1980, fez com que muitas estações AM fossem saindo do ar, já que era cara a manutenção. A FM foi sendo melhorada, com investimento em uma qualidade sonora mais limpa, com implementação de alternativas como podcast e rádio com imagens, dentre outros. Getúlio viu muitas rádios migrando para o FM, como a CBN (106,1) e a própria Itatiaia (95.7).
O jornalista tem como princípio ético compartilhar tudo aquilo que for de interesse público. Muitas vezes, contudo, os profissionais enfrentam censura e perseguições para fazer seu trabalho. Getúlio Neuremberg vivenciou uma situação de censura no tempo em que trabalhava na Rádio Inconfidência. Por ser um veículo de comunicação estatal, alguns políticos acreditam que os comunicadores têm a função de servi-los. O ex-governador de Minas Gerais, atual deputado federal Aécio Neves (PSDB), foi um desses políticos que tentaram vetar algumas matérias para se favorecer. Getúlio considera ser importante o posicionamento resistente do jornalista, por isso ele afirma que não se sentiu intimidado: “jornalista que é jornalista não sossega”.
Getúlio queria ter trabalhado mais com o esporte, porque era sua paixão e principal área de interesse no início, mas foi na área criminal/policial que ele obteve suas experiências mais marcantes e que o tornaram “calejado” e experiente. Seu primeiro emprego na Rádio Globo como repórter de jornalismo policial não teria sido sua primeira escolha, mas, apesar disso, ele declara que foi nessa área em que mais aprendeu. A história da primeira pauta que ele fez sozinho trouxe um tom de voz mais sombrio para a conversa. Com seu olhar dirigido para a mesa e com suas mãos juntas, ele contou sobre a ocorrência policial em que dois adolescentes estavam brincando com uma arma de fogo, que pertencia a um dos pais dos meninos, e que acidentalmente acabou sendo disparada, acertando na cabeça de um dos meninos. “Quando a gente chegou lá, o corpo ainda estava quente no chão e com uma poça de sangue em volta”, rememorou ao descrever a primeira vez em que viu uma pessoa morta no exercício da profissão.
Crédito: Mariele Vitória F. Ferreira
Getúlio contou, também com um tom de gravidade na voz, sobre um caso que mexeu com sua saúde mental. Foi uma cobertura policial na época em que atuava como repórter na CBN. “Essa eu não consegui esquecer”, lembrou. A cobertura envolvia uma ocorrência no bairro Carlos Prates, rua Traíras, onde duas irmãs, de 71 e 68 anos, foram encontradas mortas, com os corpos nus, abertos com tesoura de baixo para cima em, supostamente, uma espécie de ritual. Os oficiais responsáveis pelos corpos não tiveram o cuidado de cobri-los enquanto levavam para o rabecão e o jornalista viu aquela cena terrível. Com os olhos focados na mesa e as mãos se movendo agitadas, ele contou que, depois de cobrir esse caso, ele passou a noite em claro sem conseguir tirar a imagem das senhoras da cabeça. Então, depois de passar essa noite em claro, levantou exausto de manhã e foi trabalhar mais um dia na rádio, apesar do cansaço e do clima fúnebre com o qual ele diz ter passado o dia anterior.
Fizemos uma pausa para tomar um pouco de água depois de quase duas horas seguidas de entrevista e, após a pausa, entramos em um assunto muito mais divertido e descontraído, que foi sua relação com amigos, família e seus hobbies. Voltamos para a sala e encontramos Getúlio sentado na mesma cadeira, com o quadro branco com desenhos seus no fundo, segurando uma caneca de joaninha com água bem gelada dentro e olhando o celular, provavelmente vendo algumas das muitas mensagens que ele ignorou durante a entrevista. Enquanto lia, foi conversando sobre futuras pautas para o Marco com duas monitoras que entraram na sala durante a entrevista.
“Eu nunca negligenciei minha vida pessoal pelo trabalho”. Getúlio contou que, mesmo trabalhando muito, sempre dedicou um tempo ao seu núcleo de família principal: sua mãe, irmãos, sua esposa e familiares mais próximos dela. Ele nos deu um exemplo de compromisso de família imperdível, que foi o aniversário de 8 anos de sua afilhada/sobrinha com sua esposa, filha da sua irmã mais nova, que havia acontecido no domingo antes da entrevista.
Com relação aos amigos, ele nos contou que talvez esteja um pouco ausente por conta do trabalho. Mas, mesmo com as dificuldades, ele tenta sempre manter contato com eles. Ele lembrou sobre seus encontros com os amigos com muito carinho, principalmente com os colegas de faculdade, que promovem reuniões regulares desde que formaram, há 31 anos. Algumas dessas reuniões são com pequenos grupos, mas, nas datas redondas, a maior parte da turma comparece, incluindo os colegas que moram fora do país. Durante esse papo, ele nos deu um conselho bastante valioso sobre amizade e união nas turmas de jornalismo: “A melhor época da vida é essa que vocês estão vivendo agora e as amizades que vocês construírem nesse momento vocês levam para a vida toda”.
De amigos próximos, ele relatou ter poucos, mas os valoriza muito. Falou separadamente sobre um amigo que ele conheceu em 1999, pois, no mês da entrevista, ele iria levá-lo até sua cidade natal, porque esse seu amigo não dirige e precisava visitar seu irmão com Alzheimer já em estado terminal. Essa situação evidencia o valor e o carinho que o professor tem por seus amigos.
Os estilos de música preferidos de Getúlio são pop rock brasileiro, rock internacional e progressivo, MPB “de raiz”, samba “de raiz”, blues, jazz e bossa nova. Ele resumiu: “gosto de música boa”. O professor é um violonista, mas afirmou não tocar tão bem quanto gostaria, já que esse é um trabalho em andamento. O show que mais marcou sua vida foi o de Paul McCartney (um dos últimos Beatles vivos) em 2013: “Foi o melhor show que eu já fui na minha vida”. No fim da conversa sobre música, conversamos sobre sua banda favorita, que é Legião Urbana. Ele disse que o compositor que mais gosta é Chico Buarque e a cantora que mais admira é Zizi Possi.
“Eu não sei quando, eu não sei em que momento”. Essa foi a resposta de Getúlio sobre suas escolhas de carreira como jornalista e professor, mas afirmou nunca ter tido dúvidas de que queria fazer jornalismo. Em suas declarações, ele falou sobre conseguir se enxergar realizando várias funções. A versatilidade foi umas das coisas que o atraíram para o jornalismo. Em suas palavras, o jornalismo é uma profissão que exige contato com várias áreas, sendo o jornalista nomeado, divertidamente por ele, como “um especialista em generalidades”. A escolha da profissão, embora não datada, tem raiz na paixão por esporte, especialmente pelo futebol. De uma maneira bem alegre, Getúlio contou que, quando criança, ouvia rádio e imitava os locutores. O locutor que ele mais ouvia era o Alberto Rodrigues, da Rádio Itatiaia, que viria a ser substituído por Osvaldo Reis (Pequetito), seu ex-aluno. Enquanto Getúlio fazia uma imitação de Rodrigues, tornou o ambiente mais leve e engraçado, mostrou ter uma maneira dinâmica e descontraída de se comunicar.
A história do jornalista com o esporte é, ainda que breve, comovente. Aconteceu um episódio em que ele, quando criança, se desenhou em uma cabine de rádio em um estádio de futebol. O que ele não esperava é que a cena desenhada aconteceria igualmente anos depois. Getúlio se emocionou ao contar que esteve na mesma situação que havia desenhado e que até possui uma fotografia semelhante à ilustração. Mesmo não sendo sua principal área de atuação no jornalismo, ele faz parte da Enciclopédia do Jornalismo Esportivo Mineiro, organizado pela jornalista Nair Prata, e também atuou pela Rádio Inconfidência, Band News e CBN como cronista esportivo, e até hoje é filiado à Associação Mineira dos Cronistas Esportivos (AMCE). O jornalista teve a oportunidade de cobrir um jogo de final da Copa Libertadores da América no ano de 2009, em que seu time – o Cruzeiro – estava disputando o título contra o Estudiantes de La Plata e, infelizmente (ou felizmente, como pensariam os atleticanos), o time celeste foi derrotado no Mineirão.
O trabalho de Neuremberg vai além das rádios, porque, como já citado, também leciona há 25 anos. Além de dar aula, Getúlio é, atualmente, coordenador do curso de Jornalismo e dos laboratórios Colab e Jornal Marco na PUC Minas São Gabriel. Desde 2016, atua como editor do jornal. O jornal laboratório da PUC Minas foi criado em 1972, ou seja, completa 51 anos em 2023 e teve seu nome formulado a partir da seguinte frase de um dos alunos fundadores: “Esse jornal vai ser um marco em nossas vidas”. Em 2021, o Colab, que é o laboratório de comunicação digital, foi criado e iniciou as publicações. Daí em diante, o professor vem auxiliando no funcionamento. Dulce Albarez, sua colega de trabalho e design do Jornal Marco, e Gabriela Paiva Corrêa, monitora do Jornal Marco desde março de 2023, nos disseram que Getúlio é engraçado, inteligente, está sempre alegrando o ambiente cantando, acessível, tem uma postura de se admirar, promove um clima de trabalho bom e excelência para o jornal. Dulce completou dizendo que ele tem muito carinho com os alunos, afinal, alguns deles até o recorrem como um pai. O querido Getúlio foi apelidado carinhosamente na unidade São Gabriel de “Gegê”.
Com toda a experiência descrita nesse texto, foi possível notar o imenso conhecimento desse jornalista e como suas vivências o tornaram um brilhante e acolhedor professor, até porque ele diz levar sua experiência para a sala de aula. Seu conhecimento é tão vasto que Gabriela Paiva disse que o considera a “Wikipédia” dos monitores. Ela ainda diz: “Ele sabe muito de tudo”. Getúlio é sim um manual do jornalismo para os alunos, mas também é carismático e acolhedor. Pode-se confirmar com o relato de Gabriela, pois a estudante disse que ele tem o costume de trabalhar ao ar livre com os alunos do jornal, que conversam muito sobre futebol e sobre diversas vivências que os alunos ainda não puderam ter. Getúlio tenta aproximá-los e permitir um contato mais realista com a área.
Gabriela é atleticana e Getúlio é cruzeirense. Ela contou que gosta muito de conversar com ele sobre futebol e se diverte. Uma memória que a monitora guarda é do jornalista contando que ele estava trabalhando no dia da goleada histórica de 6×1 do Cruzeiro sobre o Atlético Mineiro, na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas (coincidentemente, é a cidade natal de Gabriela).
Durante a entrevista, descobrimos uma rivalidade futebolística no ambiente como a citada acima. Mais uma vez, uma atleticana viria a debater sobre esporte com o cruzeirense e se encantar com a sua experiência. Getúlio fez os olhos de Alice Oliveira, uma das entrevistadoras e estudante de jornalismo, brilharem ao contar de sua carreira e interesse pelo esporte, em particular, pelo futebol. Porém, algo cômico aconteceu, que até tornou motivo de risadas para a outra entrevistadora e aluna de jornalismo. Getúlio, cruzeirense, faria aniversário dia 23 de outubro e Alice, atleticana, havia feito aniversário no dia 17 de outubro. Eles entraram na discussão sobre quem ganharia de presente de aniversário a vitória no clássico mineiro entre Atlético e Cruzeiro, que aconteceu no dia 22 de outubro na Arena MRV – o professor levou a melhor, já que a Raposa venceu por 1 a 0.
Alice ainda assistiu à derrota de seu time presencialmente no estádio e lembrou o tempo todo da brincadeira que fizeram, sendo que essa brincadeira foi o único motivo que a fez sorrir na derrota, pois pensou: “pelo menos o Getúlio terá seu presente de aniversário agora, porque eu já tinha ganhado o meu quando tive a oportunidade de entrevistar um jornalista tão fantástico quanto ele”.
Crédito: Alice Stéfany G. R. de Oliveira
Parabenização ao Getúlio
Hoje, dia 7 de novembro de 2023, dia em que finalizamos a escrita do perfil, é comemorado o Dia do Radialista no Brasil. Nós, componentes do grupo que realizamos esse trabalho, felicitamos, carinhosamente, Getúlio Neuremberg por sua profissão.
Jornalismo – 2º período
Apuração, Redação e Entrevista – Vinícius Borges Gomes
PUC Minas – Campus Coração Eucarístico.