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Edição Jornalística – PUC Minas

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“Estamos de volta”: os esforços diplomáticos do presidente Lula

Desde o início do mandato, Lula já fez 21 viagens internacionais; especialista analisa positivamente os esforços

Anna Nunes, Danilo Valadares, Helena Tomaz, Júlia Costa, Ketrey Aquino e Maria Eduarda Gonzaga

Desde a campanha eleitoral de 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pautado a importância de recolocar o Brasil nas mesas do debate internacional. Notório articulador, o ex-sindicalista já foi definido como “o político mais popular da terra”, por ninguém menos que o ex-presidente norte-americano, Barack Obama, em 2009, durante um encontro do G20, em Londres. No mesmo ano, o Brasil, representado pelo Cristo Redentor, estava pronto para decolar e animava o mercado internacional, segundo a célebre capa e editorial da revista britânica The Economist. 

Foto: Reprodução/The Economist

No entanto, passada quase uma década e meia desde que o Brasil parecia ser o queridinho do mundo, o cenário geopolítico do país mudou consideravelmente. Da revelação do grampo ilegal promovido pela gestão Obama ao governo de Dilma Rousseff, em 2015, passando pelo processo de impeachment da presidente e a gestão Temer, até a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, a presença internacional do país se tornou irrisória, e por vezes, patética.

Afinal, o Brasil está de volta?

Desde janeiro, ou seja, em somente nove meses de mandato, Lula visitou 21 países – aproveitamento bastante superior ao de seu antecessor, que, durante os quatro anos como presidente, esteve apenas em 20 países.

Uma das mais marcantes viagens foi a Pequim, onde Lula encontrou-se com o presidente da China, Xi Jinping, em abril deste ano. Foto: Ricardo Stuckert.

Sobre o saldo desse novo direcionamento da geopolítica brasileira, os aliados de Lula sustentam que a conjuntura auxilia na atração de investimentos para o Brasil e representam “a retomada de laços estratégicos” para o país. Lucas Rezende, professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, concorda: “O retorno das viagens de Lula retoma um lugar em que o Brasil não se posicionava, principalmente durante os seus governos democráticos, desde Barão do Rio Branco. Ele [Lula] está retomando uma tradição de atuação multilateral do Brasil”, diz o acadêmico.

O que o Brasil ganha?

Uma das recorrentes críticas da oposição, e até mesmo de setores aliados, é de que o presidente privilegiaria viajar para fora do Brasil em detrimento de governá-lo. Deixando de lado essa visão, que mais preza pela demagogia eleitoreira do que pelo real significado de ser um estadista, não é condenável perguntar: no que resulta essa empreitada internacional? 

Para Lucas Rezende, ela representa portas abertas: “Passou-se a ver que o Brasil voltou a ser um ator que articula politicamente. Isso significa oportunidades que vão para questões como, por exemplo, um retorno ao financiamento do fundo Amazônia”.

Nesse sentido, vale, ainda, ressaltar as dezenas de acordos multilaterais que giram em torno das mais diversas áreas, como tecnologia, agricultura, trabalho, educação, ciência etc. Um dos mais significativos, firmado com a China e os Emirados Árabes Unidos, foi cifrado em mais de 60 bilhões de reais. Sim, é fato que, entre a assinatura de um acordo e a sua efetivação, há a realidade concreta. Mas, também é fato que acordos só são feitos com quem tem a capacidade de negociá-los.

Nos Emirados Árabes Unidos, Lula foi recebido pelo presidente Mohammed bin Zayed Al Nahyan. Na capital, Abu Dhabi, os chefes de Estado trataram de acordos comerciais, investimentos e meio ambiente. Foto: Ricardo Stuckert.

Lula na ONU

No dia 19 de setembro, o presidente discursou na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos. A assembleia deste ano teve como assunto os esforços para avançar no cumprimento das metas e objetivos definidos pela Agenda 2030 – plano de ação global desenvolvido pelos 193 países membros da ONU, visando erradicar a pobreza e promover uma vida digna a todos os povos por meio do desenvolvimento sustentável.

A fala do presidente foi, então, pautada por essa temática. Falou sobre as desigualdades sociais, direito ao trabalho e à alimentação, sobre pobreza e crise climática – destacando o perigo das grandes quantidades de carbono lançadas à atmosfera.

Lula ainda utilizou a oportunidade para criticar o neoliberalismo e a extrema-direita:

O neoliberalismo agravou a desigualdade econômica e política que hoje assola as democracias. Seu legado é uma massa de deserdados e excluídos. Em meio aos seus escombros surgem aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas. […] Repudiamos uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores.”

Com essa fala, ao longo de seus três mandatos, Lula já soma oito discursos de destaque na ONU – um número considerável, alcançado por poucos chefes de Estado até então.

Confira o discurso na íntegra:

Entrevista com o professor de Ciência Política da UFMG, Lucas Rezende:

O que as viagens do presidente Lula representam para o país?

Representam um retorno do Brasil ao cenário internacional, à política internacional. Nos últimos anos – a gente não pode creditar nisso nem exclusivamente ao governo Bolsonaro, mas desde o segundo governo Dilma, (e depois isso aumentou, no governo Temer até chegar  ao ápice no governo Bolsonaro) – o Brasil foi se afastando da arena política internacional. 

O Brasil sempre teve uma participação muito ativa, principalmente de organismos multilaterais e, nesses governos foi havendo, pouco a pouco, um distanciamento dessas organizações. 

Então, o retorno das viagens do Lula retoma um lugar que o Brasil se posiciona, principalmente durante os seus governos democráticos, desde o Barão do Rio Branco. Então, ele está simplesmente retomando uma tradição de atuação multilateral do Brasil.

Nessas viagens, ele foi em busca de parcerias, investimentos? Que tipo de retorno ele tem, de fato, conseguido?

Portas abertas. Então, a começar, o Brasil passou a ser bem recebido nos fóruns internacionais. Passou-se a ver que o Brasil voltou a ser um ator que articula politicamente. 

Isso significa oportunidades que vão tanto para questões como, por exemplo, um retorno ao financiamento do fundo Amazônia. Esse é apenas um dos exemplos que o Brasil tinha deixado de receber pela falta de atuação política internacional e pelo tipo de ação que vinha promovendo a devastação da Amazônia. Então, o Brasil passa a ser recebido novamente.

O que aconteceu, por exemplo, na Assembleia Geral da ONU agora foi uma coisa histórica: algo sem precedentes para o caso do Brasil, do tipo de discurso do Lula e do impacto que teve no imediato posterior. O Lula foi interrompido, salvo engano, sete vezes durante o discurso dele para aplausos. Isso não é pouca coisa em um ambiente altamente politizado como é o da ONU. Depois, cerca de um terço dos países da ONU pediram reuniões bilaterais com o Brasil. Isso aí é o resultado que a gente esperava. Um retorno a um agente bem recebido da política internacional.

E por falar nesse discurso da ONU, do Lula, o que você destaca nesse último encontro e também no discurso dele?

Como eu falei, o discurso foi histórico. Ele foi histórico porque ele sintetizou diversas pautas. Tanto pautas que levaram à própria eleição, novamente, do Lula para a Presidência da República, que passam pela defesa do Estado Democrático de Direito e pela defesa dos direitos humanos. Pautas que o Brasil havia se distanciado nos governos Temer e, depois, com mais força, no governo Jair Bolsonaro. 

Então, tem esses elementos de ordem política doméstica que são relevantes para um governo de centro-direita como é o governo do Lula  e também ele reuniu demandas que são dos países em desenvolvimento. Então, o que o Brasil buscou com isso? Sintetizar as demandas dos países não desenvolvidos e dizendo: “olha, peraí, nós temos questões que precisam ser resolvidas”. Essa falta, essa grande assimetria no cenário internacional e em organizações,  como, por exemplo, a crítica que ele faz ao FMI, são muito fortes no sentido de que: “olha, nós somos países em desenvolvimento, mas nós temos uma agenda em comum e nós não estamos dispostos a ficar tomando lado nessa briga das grandes potências. Nós queremos ser ouvidos e ter voz”.

Então, o discurso do Lula foi muito importante porque ele sintetiza grande pauta, grande parte da pauta dos países em desenvolvimento hoje.

Sob o olhar de outros países, principalmente os desenvolvidos, como o Brasil está sendo visto após essa retomada?

Há diferentes formas, diferentes impactos. Em um primeiro momento, por exemplo, o governo dos Estados Unidos ficou muito desconfiado. Logo após a eleição do Lula, o governo Biden teve um papel importante no apoio à defesa da democracia no Brasil, reconhecendo que ele foi o vencedor do pleito, e depois também um apoio imediato nos [ataques de] 8 de janeiro. 

O que a gente vê depois é um esfriamento nas relações. Principalmente na questão da guerra na Ucrânia, os Estados Unidos queriam que o Brasil embarcasse na sua própria agenda. E o Brasil disse: “não, não passa por aí. Eu quero ser equidistante. Eu tenho uma agenda própria, e quero ser ouvido e quero ser respeitado”. 

E quando o Lula faz a proposta do Clube Para Paz, na hora de tentar mediar a guerra na Ucrânia, ele foi muito mal recebido pelo Ocidente. Dizendo: “quem é você para poder entrar?” E o Lula responde: “eu sou alguém que não teve nada a ver com o início da guerra,  eu só quero saber de tentar construir seu fim. O início não é culpa minha, não tenho nada a ver com isso”. 

Ao mesmo tempo, o Lula continuou com agendas muito progressistas, em especial aquelas ligadas à defesa da democracia no Ocidente. Então, ele seguiu tendo um eco muito grande, em especial dentro da Europa, e um encontro bilateral do Biden com o Lula muito significativo, que resultou em um documento que é, também, histórico, um documento que visa garantir políticas voltadas para a classe média e classe trabalhadora. Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil acabaram sendo apanhados, digamos, pelo discurso da extrema-direita por não se ver representados dentro de uma agenda liberal. Então, foi histórico esse encontro bilateral e demonstra que há um espaço muito grande e há uma proximidade para essa agenda entre os dois lados. 

Também há uma pluralidade na visão internacional do Lula de buscar os países em desenvolvimento, o que a gente chama de cooperação sul-sul, que não passa pelo norte. Por exemplo, a decisão de fazer acordos com a China para comércio em moeda local, que não tenha que se fazer o uso do dólar. Isso é muito importante. Isso não significa um desprestígio da relação com os Estados Unidos. Pelo contrário, significa uma valorização das moedas locais e da importância de se ter uma visão internacional que seja pragmática e multilateral.

Apesar de muito elogiada, há pontos negativos na atual política internacional do Brasil?

Há questões que talvez pudessem ser feitas de outra maneira. Então, principalmente, alguns escorregões, como eu coloco, na hora da condução do Clube Para a Paz. Então, é um samba diferente que o Lula tem que dançar. Ele tem que, ao mesmo tempo, pensar onde hoje está o presente das relações internacionais do Brasil, então, pensar os Brics, os Brics expandidos, o G20. Isso tudo não pode ser pensado em detrimento de uma relação histórica que o Brasil tem com o Ocidente, em especial no aparato multilateral e da agenda de direitos humanos. Então, há questões que talvez pudessem ter sido conduzidas de outra maneira. Mas me parece que o Brasil voltou à cena internacional e tem colhido muitos frutos. Então, se há algum elemento que, porventura, em algum momento tenha soado não tão positivo, o saldo sem sombra de dúvidas é muito mais positivo do que a gente viveu nos últimos seis anos.

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