Começar a vida financeira com inteligência: dicas para investir durante a juventude
Ana Carolina Gomez, Julia Vargas, Lívia Tertuliano, Lucas Izidro e Maria Carolina Firmino
A educação financeira não é um tema comum na vida dos jovens brasileiros, até que a necessidade de administrar o dinheiro se torne uma realidade. Muitas vezes, isso só acontece quando as contas já estão no vermelho, o que explica o crescimento da juventude endividada no país.
Segundo dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), 19% da faixa etária entre 18 e 24 anos e praticamente metade (46%) da população de 25 a 29 anos possuem dívidas ativas. No total são 12,5 milhões de pessoas inadimplentes. Além disso, ainda segundo os dados, 75% dos jovens de até 30 anos não controlam suas despesas.
A especialista Lauriene de Lima, assessora de investimento na InvestSmart/XP Investimentos, dá algumas dicas sobre como você, jovem que quer administrar seu dinheiro, deve priorizar e organizar as finanças. O professor Jean Max Tavares, do Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais (Iceg) da PUC Minas, também destaca conceitos importantes sobre economia aplicada no dia a dia.
Primeiro passo: compreender suas necessidades, conceitos e economizar
Para Lauriene, a primeira coisa que o jovem precisa para ter controle sobre o seu dinheiro é entender e avaliar suas necessidades. Segundo a assessora, quanto antes você assimilar que precisa de reservas financeiras para atingir seus objetivos e começar a poupar sua receita, mais benefícios, tranquilidade e segurança serão conquistados a longo prazo.
Além disso, ela ressalta a importância de perceber que o governo não consegue sustentar sua população e, por isso, há uma necessidade primordial de elaborar um planejamento financeiro. Por mais que existam mecanismos governamentais de isenções, eles não são suficientes, o Estado precisa que a população faça suas reservas. Portanto, mesmo quem tem benefício fiscal em uma previdência, por exemplo, pode não ter esse retorno futuramente.
Jean Tavares afirma que para começar é preciso compreender alguns conceitos básicos de economia e investimentos, como a taxa Selic, inflação, o papel do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e a diferença entre renda fixa e variável.
Taxa Selic
A Selic é a taxa básica de juros da economia que influencia todas as demais do país, como as taxas de juros dos empréstimos, dos financiamentos e das aplicações financeiras. O significado da sigla é simples: Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Trata-se de um sistema usado pelo governo para controlar emissão, compra e venda de títulos. A Selic é o principal instrumento de política monetária utilizado pelo Banco Central (BC) para controlar a inflação e mexer no consumo das famílias.
Uma redução na taxa Selic significa uma diminuição no custo de captação dos bancos, que tendem a emprestar dinheiro com juros menores, ou seja, pegar empréstimos, por exemplo, fica mais barato. Essa redução no custo do crédito estimula o consumo e faz a circulação de dinheiro aumentar. Outro efeito da queda da taxa Selic é o aumento da inflação. Para as empresas, a Selic baixa faz com que o endividamento caia e a capacidade de desenvolvimento suba.
Já quando a taxa sobe, os juros cobrados nos financiamentos, empréstimos e cartões de crédito ficam mais altos. Isso reduz a circulação de dinheiro, desestimula o consumo e favorece a queda da inflação.
A taxa Selic hoje está em 13,25% ao ano, reduzida em agosto de 2023 na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Para verificar mais informações sobre a taxa Selic atual, você pode acessar o site do Banco Central.
Inflação
A inflação pode ser definida como o aumento generalizado dos preços de bens e serviços, representado pelo aumento do custo de vida e, consequentemente, implica na redução do poder de compra da moeda. Por ter um impacto direto em diferentes aspectos da vida dos consumidores, a inflação é medida por vários índices de preços. No Brasil, o principal índice utilizado para calcular o seu valor oficial é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O aumento na inflação pode ter diversas causas, tais como aumento na demanda, pressões nos custos de produção, inércia inflacionária e expectativas de mercado. Ela também pode ser prejudicial ao crescimento econômico ao gerar incertezas importantes na economia, desestimulando o investimento. Os preços relativos se tornam distorcidos, causando ineficiências na economia. As pessoas e firmas perdem a noção dos preços relativos, tornando-se difícil distinguir se algo está caro ou barato. As camadas mais desfavorecidas da população são as mais afetadas por terem menos acesso a instrumentos financeiros para se defender da inflação.
CDI
O CDI (Certificados de Depósito Interbancário) é uma taxa com lastro nas operações realizadas entre as instituições bancárias. Ou seja, são os títulos que as instituições financeiras emitem, com o objetivo de transferir seus recursos para outra instituição. O Banco Central exige que, diariamente, os bancos encerrem o expediente com o caixa no azul, ou seja, com mais dinheiro entrando do que saindo. Porém, isso nem sempre acontece, pelo fato de que o valor de depósitos pode ter sido menor que o valor de saques realizados.
Para não encerrar o dia com saldo negativo, os bancos realizam um empréstimo para poder cobrir essa diferença. Os valores vêm de outros bancos, que recebem juros por esse tipo de transação. E esses juros são calculados pela taxa CDI. Por isso, ele é classificado como uma taxa de juros do mercado financeiro.
Suas principais características são acompanhar a variação da taxa Selic, o que garante, hoje em dia, um bom retorno, e ser um investimento com maior liquidez, isto é, que pode ser retirado pelo investidor com agilidade. Por isso, o CDI é uma boa alternativa para começar a investir ou para montar uma reserva de emergência que tenha bom rendimento.
Renda fixa X renda variável
A renda fixa é o investimento que possibilita uma previsibilidade dos ganhos, porque a taxa de juros é fixa, enquanto a renda variável tem rendimentos imprevisíveis, já que os preços oscilam de acordo com o humor dos agentes, que são influenciados por fatores econômicos e políticos.
A renda fixa é a aplicação em que você sabe como sua remuneração será calculada no momento do aporte. Isso ocorre porque esses tipos de produtos têm datas de vencimento preestabelecidas e um indexador de rentabilidade, que pode ser uma taxa de juros específica, como a taxa Selic ou o IPCA.
Ainda na renda fixa, você empresta dinheiro para o governo ou uma instituição financeira. Em troca, ela devolverá esse valor com juros, desde que você deixe o montante aplicado até a data prevista.
A renda variável não prevê os rendimentos no momento da aplicação, ou seja, você não saberá quanto vai receber no futuro, e pode inclusive perder dinheiro. Isso acontece porque esses produtos são atrelados a ativos que apresentam muitas oscilações, já que são precificados de acordo com a lei da oferta e da demanda.
O problema é que essa variação acontece de acordo com o humor dos investidores, que é influenciado por milhares de fatores, por exemplo o cenário político nacional e internacional, a situação econômica, inflação, taxas de juros e até o câmbio.
Como se organizar por meio de ferramentas e estratégias
Perguntada sobre as ferramentas que podem ser utilizadas para se realizar um planejamento financeiro, Lauriene de Lima revelou que muitos gostam de usar o Excel. Ela acredita que é uma plataforma válida quando se coloca todas as saídas e todas as entradas, principalmente para quem tem dificuldade em controlar os gastos.
No mundo da economia e administração de renda, também existem algumas estratégias teóricas simples para facilitar a organização, sendo uma delas a 50-30-20. Esse método é uma maneira de dividir todo o dinheiro que entra na conta mensalmente em diferentes porções de prioridade. O objetivo é equilibrar entradas e saídas separando a renda líquida mensal em três partes: 50% para as despesas fixas (energia elétrica, água, moradia, transporte, supermercado…) ; 30% para as despesas variáveis (gastos não essenciais como: serviços de streaming, TV a cabo, compras, refeições em restaurantes…) e 20% que será poupado (reserva financeira/emergência e projetos futuros). Ao fazer essa divisão, torna-se muito mais fácil compreender o panorama completo de suas finanças, prestar atenção nos gastos e garantir uma poupança a cada mês.
Lauriene conta que vários assessores financeiros consideram essa regra eficiente: “Quando o cliente vem até nós, entendemos que ele tem que ter dinheiro disponível e entender os prazos. Porque o mercado é o seguinte: todas as vezes que você tem uma taxa maior do que a aplicada, precisa abrir mão de alguma coisa para manter o investimento”.
Jean Tavares reitera que o mais importante é sempre guardar um percentual do seu ganho primeiro e depois, sim, gastar o restante e nunca o contrário. Outra dica mencionada pelo professor da PUC Minas é ter uma meta de poupança, pois, para começar a investir, é preciso ter um fundo de reserva.
O cartão de crédito é o grande vilão?
Segundo dados do Banco Central, o número de clientes que usam o cartão de crédito cresceu 30,9% no Brasil de 2019 a 2022. Esse uso desenfreado pode acarretar em problemas, como saldos devedores que não são quitados, gerando dívidas que só crescem com os juros abusivos. Para Lauriene, é necessário disciplina para administrar compras e finanças pessoais, sabendo separar o “querer” do “precisar”.
Sobre as compras parceladas, a especialista afirma que essas podem ser tanto benéficas quanto prejudiciais. “Têm casos que [compras parceladas] ajudam muito, porque o cliente está fazendo uma reforma, vai comprar R$30 mil de material, você pode pagar de 12 vezes sem juros ou você vai tirar seu dinheiro e pagar? Eu até faço isso e administro, mas são coisas necessárias”, afirma.
No entanto, a assessora destaca que é de extrema importância ter cuidado e organização para evitar comportamentos consumistas, que podem se tornar extremamente prejudiciais no futuro, reiterando, mais uma vez, o uso da técnica de separar o querer do precisar. “Quando a gente trabalha você tem que respeitar o dinheiro, o dinheiro exige respeito”, diz Lauriene.
Importância da educação financeira
Sendo assim, onde e como podemos buscar aprender mais sobre educação financeira?
Segundo Jean Tavares, a Internet é uma ótima fonte de materiais gratuitos, como os que estão disponíveis no site do Banco Central. Entretanto, ele ressalta que a educação financeira é extremamente necessária desde cedo e que existem muitos conceitos que podem ser ensinados de maneira lúdica, com jogos e teatro, por exemplo, logo a partir dos 6 anos de idade.
Lauriene também afirma que o cenário ideal seria abordar esse tipo de conhecimento no ambiente escolar, desde o período da infância. No entanto, visto que isso não é a realidade da maioria dos brasileiros, a alternativa é buscar auxílio por meio de cursos externos ou de um assessor financeiro.
Para a especialista, os jovens devem correr atrás do conhecimento, não apenas esperar pelo governo ou pelas instituições decidirem tratar o tema. “Não sabemos quando algum imprevisto irá acontecer, então é necessário se blindar, se proteger financeiramente e as coisas vão fluindo mais rápido e com mais tranquilidade”, ressalta.
Nos dias atuais, principalmente com a internet, encontrar um assessor ou um escritório de finanças para ter como suporte durante a jornada financeira se tornou uma tarefa relativamente simples. No entanto, Lauriene diz que é fundamental ter cautela para escolher em quem confiar seu dinheiro. É necessário uma pesquisa detalhada antes de realizar qualquer procedimento com uma empresa. A especialista pontua que não existe milagre, e que “esmola demais, o santo tem que desconfiar”.