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Edição Jornalística – PUC Minas

Jornalismo de Nicho

O cuidar e o cuidado: as implicações do racismo na criação de crianças negras

O papel decisivo da(s) família(s) frente à discriminação racial

Por Lauro Moura, Isabella Martins, Regina Moraes

Crianças e adolescentes ainda vivem em contextos de desigualdades. São vítimas do racismo nas escolas, nas ruas, nos hospitais e, às vezes, dentro de suas próprias famílias. 

Deparam constantemente com situações de discriminação, de preconceito ou segregação. Uma simples palavra, um gesto ou um olhar menos atencioso pode gerar um sentimento de inferioridade, em que a criança tende, de forma inconsciente ou não, a desvalorizar e negar suas tradições, sua identidade e costumes. O racismo causa efeitos. As afirmações são do documento elaborado pelo Unicef que trata o impacto do racismo na infância

É nesse contexto que pode-se compreender a relação dos pais na construção desses indivíduos em desenvolvimento e a necessidade de confrontar as violações de maneira efetiva em todos os campos do convívio social.

Em um dos episódios do programa Saia Justa, do Canal GNT, as artistas Elza Soares, Astrid Fontenelle, Pitty, Gaby Amarantos e Monica Martelli dialogam sobre como criar seus filhos, brancos e negros em um país racista. A conversa evidencia a afirmativa de que o corpo da criança negra é mais propenso a todo tipo de violência física, sexual e moral. Elas aprendem desde cedo a evitarem confrontos, batidas policiais e balas perdidas.

Há ainda o recorte socioeconômico que tensiona ainda mais a discriminação sofrida pelos jovens negros. A população periférica se encontra à margem de uma garantia de direitos e isso se manifesta desde a infância.

Mães pretas se atentam a um lugar de “cuidado” para além do cuidar. A hostilidade com a presença de pessoas negras na sociedade implica uma educação parental que não existiria se houvesse equidade de tratamento entre todos os sujeitos da sociedade.

“Não corra na rua”, “Ande sempre bem arrumado”. Essas são falas usualmente atribuídas às mães e, com as quais, pode-se evidenciar que em muitos momentos o próprio direito à infância é tomado pelas tensões raciais.

Neste sentido, a  produção audiovisual Como é ser mãe de meninos pretos em uma sociedade racista?, dirigido por Andreia Alves e realizado para o portal Quebrando o Tabu, traz o relato de como a maternidade de mulheres negras é experienciada em uma sociedade que criminaliza os corpos de pessoas, essencialmente homens pretos. 

Cerca de 787 crianças e adolescentes foram mortas por policiais no Brasil, em 2020. Destas, cerca de 80% eram negras e 90% meninos. Os números estão no levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em conjunto com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que mostram o Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil.  

Núcleo familiar: emancipação a partir de vivências 

Cristina Maria dos Santos Gomes Pereira, 53 anos, chef de cozinha, sempre achou que seria uma boa mãe, mas antes da maternidade seu sonho era estudar. Seus pais eram semianalfabetos. Dona Cris desde a infância gostava de ler, reconhecer as palavras e, como integrante de uma família numerosa, sentia a necessidade de ajudar seus pais. 

Com dificuldade, Dona Cris concluiu o segundo grau, o que para aquela época já era uma grande conquista. Cristina cresceu admirando a garra de sua mãe, se inspirando em seu exemplo, sempre trabalhando, cuidando dos filhos e da família, sendo a base de seu lar e suprindo o que para seu pai, por exemplo, era considerado “luxo”, como um calçado, uma roupa nova. 

O grande desafio da vida de Cristina era conseguir um lar digno para morar, já que a família sempre morou em imóvel alugado. Buscar uma moradia melhor só foi possível com o passar dos anos, à medida em que ela e os irmãos iam crescendo e começando a trabalhar e a contribuir com as despesas domésticas. 

Ela conta que, muitas vezes, tiveram que se mudar, seja porque o proprietário pediu o imóvel ou porque aumentou o aluguel, e isso dificultava fazer amizades na vizinhança. O sonho da casa própria aumentou ainda mais por causa disso.

Como para Dona Cristina a educação era algo que considerava fundamental na formação dos filhos, a opção foi pela escola particular, pois se preocupava em oferecer a eles um ensino de qualidade, com bons materiais didáticos, o que ajudaria seus filhos a alcançarem mais rápido os seus objetivos, ter melhor acesso ao Enem, vestibular etc.. E para a Dona Cristina, isso não era questão de luxo, era o futuro de seus filhos que estava em jogo.

Por outro lado, ao fazer a escolha pela escola particular, Cristina tinha consciência do risco de submeter seus filhos a um ambiente com poucas crianças negras, em sua maioria bolsistas. E que também seria questionada por pessoas que não acreditavam que ela e seu marido possuíssem recursos suficientes para bancar um ensino de qualidade para seus filhos.

Como mãe de duas crianças negras, hoje, sua filha mais velha na universidade e o outro filho ainda no ensino fundamental, ela acreditava que não conseguiria proteger seus filhos do racismo e que em qualquer lugar eles estariam expostos ao preconceito. O que ela como mãe e seu marido Cláudio podiam fazer é se tornarem o suporte necessário e seguro para que seus filhos tivessem orgulho da origem, cor e condição social. 

Ainda hoje, para eles pouco importa o cargo, a empresa, o salário…o mais importante é o respeito.

O racismo nos atinge de formas diferentes, mas dói da mesma forma em todos que o sofrem ou com ele convivem. O que muda é a reação da pessoa diante dessa violência. No entanto, se a criança negra está inserida numa família que a incentiva a se amar e se aceitar, a influência exterior tem seu impacto reduzido, porque essa criança já tem acesso à informação e foi bem orientada e empoderada em casa, sabe que o problema não é ela e que as pessoas têm que respeitá-la da forma como ela é.

Escute um trecho da fala de Cristina para a entrevista:

Claudio, Cler, Cristina  e Norton. / Foto: Isabella Martins

Caso Ewbank 

O ataque sofrido pelos filhos dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso no restaurante Clássico Beach Club, na Costa de Caparica, em Portugal, no dia 30 de julho de 2022, mostra o latente preconceito racial na Europa.

Titi e Bless, além de uma família de angolanos que estava no estabelecimento, foram ofendidos por uma mulher chamada Maria Adélia Freire de Andrade, de 57 anos, que os chamou de “pretos imundos” e disse para voltarem para a África.

O incidente expôs vícios que só vieram à tona e ganharam repercussão internacional porque se trata de um casal de celebridades branco, com influência e capacidade financeira para levar a agressão para a Justiça. A mulher acabou detida não pelas manifestações de preconceito, mas porque também ofendeu policiais. Na delegacia, foi interrogada e liberada.

Se as crianças não tivessem pais brancos, como admitiu a própria Giovanna, dificilmente teriam sido defendidas com o mesmo vigor.

Marcas do racismo em famílias inter-raciais é objeto de pesquisa

Uma pesquisa realizada em 2017 pela psicóloga social Lia Vainer Schucman como tema de pós-doutorado para a USP (Universidade de São Paulo) em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que trata do mito da democracia racial, revela que o preconceito de raça continua bastante disseminado na sociedade brasileira, e se manifesta mesmo no interior de núcleos familiares inter-raciais.

O site da pesquisa Fapesp reitera que, segundo a literatura especializada, as relações inter-raciais iniciaram-se no Brasil no âmbito da vida privada desde os primórdios da colonização – principalmente a partir do estupro e de outras formas de violência cometidas por “homens brancos” portugueses contra “mulheres negras” ou “indígenas”. 

O Censo de 1960 apontou que 8% dos casamentos eram “inter-raciais” no país. Em 2010, esse percentual saltou para 31%. Ou seja, quase um terço das uniões matrimoniais realizadas no Brasil acontece entre pessoas que se autoclassificam como sendo de “raças diferentes”.  A autora cita que o fenômeno é muito comum entre as classes mais pobres, porém, raríssimo entre as classes ricas”.

Os levantamentos de estudos ao longo de três anos de pesquisa culminaram na publicação do livro Famílias Inter-raciais: tensões entre cor e amor, lançado em 2017.

Branquitude

A palavra “branquitude”, utilizada pela pesquisadora em seu livro, não está dicionarizada. É um neologismo empregado em contraposição à negritude. O conceito de negritude foi forjado durante a luta anticolonialista dos povos africanos, no século XX, e utilizado principalmente pelo poeta e político senegalês Léopold Sédar Senghor (1906 – 2001), para resgatar e exaltar as culturas, tradições e características identitárias da África, que haviam sido subjugadas pelo colonialismo. Já o conceito de branquitude, sem ser identificado por esse nome, começou a ser construído durante a expansão colonial europeia, a partir dos séculos XVI e XVII, mas principalmente no século XIX, para justificar ideologicamente a dominação, pelos europeus, das populações ancestrais da América, da África, da Ásia e da Oceania. Nesse processo, a identidade “branca”, definida pela cor da pele e outros traços fenotípicos, foi estabelecida como norma e padrão humano, sendo os outros grupos apresentados como marginais, desviantes ou inferiores.

A conclusão da pesquisadora é de que, no Brasil, é possível ser contra o racismo, achar que o racismo é um mal a ser combatido, casar com “negro”, e, mesmo assim, ser racista. “Racista no sentido de hierarquizar as pessoas a partir do fenótipo, de achar o “cabelo do branco” mais bonito, o “nariz do branco” mais bonito, e assim por diante. Mas, se a ‘família inter-racial’ é, muitas vezes, o lócus de vivências racistas, ela também pode ser um espaço privilegiado para o acolhimento e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento do racismo da sociedade envolvente, como pude verificar em mais de uma entrevista”, conclui a autora. 

Como formadora de caráter, a educação tem um papel essencial na busca por meios de fazer com que alunos, professores, pais e a escola como um todo compreendam melhor sobre o assunto étnico-racial, visando a conhecer as causas e as consequências sobre tudo que permeia o combate ao racismo.

A instituição Prova Fácil, um grupo de gestão de avaliações e tecnologia de referência na América Latina, une profissionais com diferentes especializações e habilidades que trabalham para modernizar as instituições e melhorar o processo de aprendizagem de seus alunos. Neste contexto, educadores adotam práticas que ajudam a oferecer uma educação antirracista.

O instituto traz contribuições sobre as práticas educacionais antirracistas conectadas com a necessidade de suporte por parte da comunidade.

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