Um ano depois de ter embarcado no Black Lives Matter, NASCAR tem longo caminho pela frente na luta contra o racismo
Principal categoria automobilística americana tem histórico de racismo e fãs que se identificam com o movimento confederado
por Bernardo Drummond, Bernardo Gobira, Felipe Quintella, Marcelo de Angelis, Paulo Rezende e Victor Silveira
A NASCAR (National Association of Stock Car Racing) surgiu na época da Lei Seca americana, no Sul dos Estados Unidos, uma região reconhecidamente conservadora, e com problemas de discriminação racial. Foi no Sul do país, durante a Guerra Civil, que os Confederados enfrentaram a União por serem totalmente contra a abolição da escravidão.
Por isso, até pouco tempo atrás, era muito comum ver diversas bandeiras dos Confederados durante os eventos da NASCAR. Esse símbolo é relacionado ao racismo e a exaltação do passado escravocrata. Porém, durante o movimento Black Lives Matter, em 2020, o único piloto preto que corre na categoria, Bubba Wallace, protestou e conseguiu banir a bandeira de vez das corridas.
Entretanto, quase um ano depois desses eventos, Wallace parece estar dialogando e protestando sozinho. Quando o notório piloto tuitou recentemente os nomes de Daunte Wright – um homem negro de 20 anos morto por um policial de Minnesota – e Adam Toledo – um menino latino de 13 anos morto pela polícia de Chicago – a NASCAR como uma organização e aqueles que competem nela não se manifestaram.
NASCAR e o #blacklivematters
Após o assassinato de George Floyd, a modalidade lançou uma campanha com um vídeo denunciando o racismo e apoiando o Black Lives Matter. Num esporte em que 94% da fanbase é composta por brancos, e muitos fãs ainda protestam contra o banimento e hasteiam a bandeira dos Confederados, essas ações da organização causaram um choque para muitos.
Bubba Wallace sempre se mostrou ativo e engajado nas pautas raciais e, durante os protestos de 2020, ele personalizou seu carro, o Chevrolet nº43 da Richard Petty Motorsports, com uma pintura especial em apoio ao movimento.
“Estou animado com esta oportunidade de correr com o #BlackLivesMatter no carro em Martinsville ”, disse Wallace em um vídeo postado no Twitter de Richard Petty Motorsports. “Esta declaração que temos bem aqui. … Executando este carro de corrida. Estar na televisão ao vivo. Acho que vai falar muito sobre o que defendo, mas também sobre a iniciativa que a NASCAR, o esporte como um todo, está tentando promover”, completou.
“Eu acho que os dois punhos – o punho preto e o punho branco – andando de mãos dadas fala muito, diz muito. Tem muito poder por trás disso ”, disse Wallace.
Martinsville é significativo historicamente por estar perto da casa de Wendell Scott, o único piloto afro-americano a vencer uma corrida da NASCAR Cup Series e se tornar membro do NASCAR Hall of Fame.
A publicação oficial feita pela organização sobre a morte de George Floyd não cita nomes, não pede ações e não cita brutalidade policial e opressão sistêmica.
Público conservador
Mesmo que a NASCAR, pilotos e equipes se esforcem para combater o racismo no esporte, as medidas podem não contar com o apoio do público da categoria. Segundo dados compilados pelo jornal The Atlantic em 2014, o público que assistiu à categoria principal da NASCAR em 2013 era composto por 94% de brancos. Apenas 4% eram negros ou hispânicos. Quase metade dos fãs (49%) tem mais de 55 anos.
Por outro lado, a NBA (National Basketball Association), a liga de basquete americana, tem um público mais jovem: 45% dos espectadores têm menos de 35 anos. Além disso, 45% é composto de negros.
Um exemplo da resposta que parte do público da principal categoria do automobilismo americano pode dar veio quando a presidência da categoria decidiu banir o uso da bandeira dos Confederados nas corridas. Com isso, houve um protesto envolvendo 24 carros e um pequeno avião sobrevoou um autódromo, puxando a bandeira dos sulistas.
A história da competição é marcada por preconceito racial. Durante os 73 anos do esporte, apenas oito pilotos negros correram na categoria principal, contando com Bubba Wallace. O primeiro afro-americano a participar de uma corrida na categoria principal foi Elias Bowie, em 1955. Já Wendell Scott foi um pioneiro ao ser o primeiro negro a ganhar uma corrida, em 1963.
Wendell Scott nasceu na Virgínia em 1921. Ele serviu como mecânico durante a Segunda Guerra Mundial e, quando voltou para os EUA, abriu uma oficina e começou a trabalhar como taxista. Assim como outros pilotos, ele começou nas corridas como contrabandista de moonshine. Ele conseguiu uma boa reputação de nunca ser pego pelas autoridades. Quando os promotores de uma corrida local precisaram de um corredor negro para atrair minorias para as corridas, os policiais apresentaram eles a Scott.
Ele começou a correr com os próprios carros em pistas de terra na Virgínia e na Carolina do Norte. Teve muito sucesso, vencendo corridas com a habilidade ao volante e de construir carros confiáveis e rápidos. Apesar disso, a NASCAR recusou a entrada de Scott nas corridas até 1961. O fundador da categoria, Bill France, tentou ajudar a causa de Scott, ao mesmo tempo em que tentava agradar os brancos que apoiavam o esporte.
France não impediu que Scott sofresse todo tipo de humilhação por sua cor de pele. Os fãs agitavam bandeiras confederadas na frente dele e xingavam sua família. Já os rivais sabotavam e destruíram seus carros de propósito. Mesmo com todas essas dificuldades, o piloto permaneceu focado e marcou a história da categoria. Em 2015, Scott entrou para o Hall da Fama da NASCAR e foi homenageado com um personagem no filme Carros 3, da Pixar, de 2017. Se a NASCAR tivesse apoiado pilotos como Wendell Scott antes, talvez não teria o problema de temer a reação do público mais conservador, e “educaria” essas pessoas a entenderem e aceitarem ações contra o racismo como essenciais e corretas.