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Edição Jornalística – PUC Minas

Educação

Alunos e professores relatam dificuldades no ensino à distância em Minas Gerais

Processo não incluiu comunidade escolar e muitos não têm acesso adequado à internet

Marina Menta

O ensino remoto na rede pública de Minas Gerais começou no dia 18 de maio, com teleaulas impostas pela Secretaria de Estado de Educação (SEE). “Eu penso em escolher alguma coisa (profissão) que eu possa ajudar as pessoas e ao mesmo tempo me sentir bem”, conta a pequena Débora Alves, de 12 anos, que assim como cerca de 1,7 milhão de estudantes regularmente matriculados, teve suas aulas presenciais paralisadas com o avanço dos casos do coronavírus e precisou se adaptar ao novo modelo de ensino. Porém, muitos alunos estão sem aulas há ainda mais tempo, devido à greve dos servidores da educação iniciada em março. Débora lamenta ter ido à escola apenas para conhecer os novos alunos e professores: “não deu tempo de aprender direito”.

Na coletiva virtual sobre a implantação do Regime de Estudo não Presencial na rede estadual de ensino, uma semana antes da decisão, a secretária de Educação, Julia Sant’Anna, declarou que o modelo adotado em Minas foi desenvolvido em sintonia e diálogo com professores, equipe pedagógica e instituições ligadas à educação. De acordo com ela, todos os recursos foram pensados para garantir que seja contemplado o maior número possível de alunos. “Muitos alunos podem não conseguir acompanhar as aulas remotas, mas espero alcançar a maioria dos 1,7 milhão de alunos da rede estadual”, afirmou a secretária.

Para o Regime de Estudo à distância, foram estruturados três recursos: o Plano de Estudo Tutorado (PET); o aplicativo Conexão Escola; e o programa de TV “Se Liga na Educação”, exibido pela Rede Minas. Segundo a secretária, o diálogo e o esforço de gestores e professores foram fundamentais para que Minas Gerais elaborasse um modelo de destaque nacional, com os recursos elogiados por instituições ligadas à educação. “Estamos com as melhores ferramentas nacionalmente”, ressaltou. “Vamos conseguir ter bastante orgulho desse processo”, acrescentou.

Porém, o balanço sobre o modelo não é promissor. Isso porque o ensino à distância não contempla todos os alunos, principalmente aqueles que vivem em realidades mais carentes.

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que 54% das famílias mineiras não possuem computador e 24,7% não têm acesso à internet. Dentre os 853 municípios de Minas Gerais, a Rede Minas está presente em apenas 200. 

No televisor da pequena Débora, por exemplo, que reside no bairro Suzana, Região da Pampulha em Belo Horizonte, não tem o canal da Rede Minas e ela acessa as aulas pelo Youtube. Além disso, há situações em que a criança ou o adolescente tem acesso apenas a um dispositivo móvel ou apenas a um computador por família.

Apesar da declaração da secretária de Educação sobre um modelo planejado com diálogo entre gestores, professores e especialistas, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, afirma que nunca existiu diálogo. “A proposta não foi construída com a participação de setores importantes que elaboram sobre educação, como a própria categoria, os departamentos de educação das universidades federais e o Fórum Estadual de Educação. Profissionais da educação não só não ajudaram na construção, como também não tiveram um processo de formação. Eles estão sendo obrigados a utilizar internet pessoal ou fazer dívidas para aquisição de instrumentos de tecnologia para que consigam dar conta de uma demanda ao qual não é responsabilidade deles”, disse em entrevista ao programa Visão Parlamentar, da TV Assembleia.

Um modelo desigual e excludente

O estudante do segundo ano do Ensino Médio da rede pública estadual, J.G de 17 anos, que preferiu não se identificar, faz parte dos 700 mil alunos que não têm acesso às plataformas disponibilizadas pelo governo. Para conseguir estudar, ele vai até a casa de um amigo. “Eu estou achando péssimo, um amigo meu vem aqui pra minha casa estudar porque não tem wi-fi em casa”, avalia Samuel Alves, colega de J.G. “Aqui em casa tomamos todo o cuidado possível, evitamos sair, mas ele (J.G) trabalha e tudo mais, ele vem de máscara e eu faço isso que, por mais que seja arriscado e irresponsável, ele tem potencial, ele é um cara incrível”, acrescentou Samuel.

O estudante Samuel enfrenta problemas em relação à matrícula virtual
e teme o processo de avaliação das atividades / Arquivo Pessoal

J.G, que pretende cursar administração, estuda pelo Plano de Estudo Tutorado (PET) e as atividades são impressas na casa de Samuel. A distribuição aos alunos é feita prioritariamente pelos meios virtuais como site, e-mail e WhatsApp.

“Os alunos que não têm acesso à internet receberiam o material impresso, mas em muitas escolas os conteúdos ainda não foram disponibilizados ou estão sendo cobrados pela impressão.”

A organização do processo de entrega do PET impresso aos estudantes, segundo a Secretaria de Estado da Educação, deverá ser feita pela escola, em diálogo com as secretarias municipais de Educação, por meio do aproveitamento dos trabalhadores em deslocamento das prefeituras, dos segmentos representativos das respectivas comunidades, entre outras possibilidades que sejam adequadas a cada comunidade escolar.

Assim, não seria necessário que os alunos se desloquem até a escola. “Era pra escola distribuir, mas pela demora que ia ser e por ser melhor pra gente, resolvemos imprimir, estou gastando muito com cartucho, mas eu prefiro”, afirmou Samuel.

Para a deputada Beatriz Cerqueira, a proposta feita em Minas Gerais é uma tentativa de transferência de responsabilidade do Estado em garantir um processo de aprendizagem, materializado pela escola e pela professora, para as famílias. “À distância, não é possível fazer a intervenção no processo de aprendizagem. Portanto, isso causará mais estresse à família, mais ansiedade à criança ou ao adolescente, uma sensação de exclusão para quem não conseguir pagar apostila, para quem não conseguir assistir à Rede Minas, para quem não tiver os dados de Internet suficientes e para quem não tiver algum celular para baixar o aplicativo. Uma exclusão que poderá, no pós-pandemia, resultar em mais evasão escolar”, reflete.

A falta de intervenção de um professor ou um espaço para tirar dúvidas durante as aulas agrava ainda mais esse processo. “É um pouco difícil entender a matéria, pois os professores falam rápido e não é igual à aula presencial, que tem o tempo para tirar dúvidas e pra anotar as coisas. On-line você se concentra em anotar e não em entender direito a matéria”, conta Débora, que, para conseguir escrever o que perde durantes as aulas faz prints da tela do celular para completar o caderno depois.

Ela acrescenta que pesquisar na internet não ajuda no processo de aprendizagem. Em relação à carga horária obrigatória de 800 horas, estabelecida pelo Conselho Nacional de Educação, a secretaria de Desenvolvimento da Educação Básica afirma que está sendo cumprida e considerada no Plano de Estudo Tutorado (PET). Mas, para muitos alunos e professores, 20 minutos por dia de videoaula é insuficiente. “Os alunos que ficam sem entender o conteúdo têm que buscar tirar as dúvidas por si mesmos, porque não temos respaldo dos professores. Uma aula por dia é muito pouco, e isso torna o EAD muito desinteressante pra muita gente”, reclama Samuel.

Professores excluídos da elaboração e do cotidiano

“O processo exclui as escolas e os professores porque é a Secretaria que produz o material, que cria as questões, que dá as aulas e que está afirmando que este material será cobrado em algum momento da vida. Na minha escola, por exemplo, não se sabe quantos alunos têm acesso”, conta Karina Rezende, professora de História na E.E. Coronel Adelino Castelo Branco, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A exclusão dos educadores, segundo Karina, está sendo prejudicial, inclusive, em relação aos conteúdos ministrados aos alunos. “O conteúdo de História do primeiro ano do ensino médio ignora toda a história da humanidade antes das grandes navegações, o que implica em apagar a história da maior parte da humanidade. Os povos africanos, por exemplo, só aparecem quando se fala de escravidão. Eu produzi um material próprio e questões próprias para meus alunos e a instrução é não considerá-las como base, apenas apoio. Filosofia, Sociologia, Artes são consideradas disciplinas de apoio, agravando mais ainda esse descrédito da categoria e das ciências humanas enquanto forma legítima e necessária para o conhecimento”.

Pesquisadores do Grupo GEAP denunciam equívocos a respeito dos conteúdos sobre História da África, dos africanos em diáspora e da abolição da escravidão no Brasil / GEAP/UFMG

O Plano de Estudo Tutorado (PET) consiste em apostilas mensais de orientação de estudo e atividades por ano de escolaridade, 1º ao 9º ano do ensino fundamental e 1º ao 3º ano do ensino médio. Segundo a Secretaria de Estado da Educação, os conteúdos foram baseados no Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). As apostilas são usadas na rede como material de estudo e como um guia para nortear as atividades. Contudo, os PETs não são livros didáticos.

Erros mapeados e registrados

A partir de uma análise do conteúdo das apostilas, o Grupo de Estudos de África Pré-Colonial (Geap-UFMG), do grupo de Pesquisas Áfricas (UFMG), coordenado pela professora Vanicléia Silva Santos, encontrou e mapeou diversos erros. “A gente se dividiu e analisou todas as apostilas na modalidade de Ensino Regular do Fundamental e Médio. Encontramos atividades copiadas da internet sem fonte e trechos copiados sem fonte. O trabalho pareceu muito mais descuidado que mal-intencionado. O material é ruim em proposta e execução. Não fica claro se ele tem ou qual é o projeto pedagógico dele. A Secretaria diz que a ideia é apenas manter um contato do aluno com o conteúdo e o ambiente escolar. Mas o aprendizado se dá em todas as formas e o tempo todo então é difícil calcular o quanto ele é danoso pros alunos”, pontua a professora Vanicléia.

Os conteúdos de História são os que contêm mais erros. Segundo Roberth Daylon, pós-graduando da UFMG, membro do Geap, esse descuido na elaboração do material não é um problema isolado e precisará de maior mobilização: “Em relação à história da África, esse descuido tem a ver com o fato de professores estarem em sala de aula há muito tempo sem um programa da Secretaria de formação continuada e reciclagem desses professores. O ensino de História da África, além de ser lei desde 2003, ainda é muito deficiente na educação básica no Brasil todo. A Secretaria entrou em contato com o Geap dizendo que os PETs serão reformulados e os erros consertados nas próximas edições. Individualmente. Não sei se resolve, porque o problema me parece ser o modelo que a SEE adotou, mas enquanto grupo vamos esperar os próximos volumes para tecer comentários”, explica.

Erros encontrados nas 38 apostilas / Comissão de professores

Uma comissão de professores da UFMG, UFJF e UNICAMP analisou o material das 38 apostilas do Plano e encontrou 42 erros de ortografia e gramática, 122 plágios e 89 conteúdos errados. “Ficamos um pouco surpresos por a situação ter tomado essa proporção toda, pois os ajustes já haviam sido realizados. Então, questionamos: a quem interessa falar mal de conteúdos que foram revistos, que foram construídos por bravos profissionais, e endereçados a alunos pobres, que não teriam condições de seguir estudando? Os ajustes precisam ser feitos, mas um pequeno grupo parece interessado em interromper as atividades da educação em Minas”, disse a secretária Julia Sant’Anna, durante entrevista coletiva concedida no dia 10 de junho. “Me nego a interromper um modelo que busca maior equidade, que está conseguindo chegar aos lares dos alunos. Se houve 40 erros gramaticais, vamos corrigi-los. Mas não vamos parar por conta disso”.

A Secretaria de Estado de Educação (SEE) se posicionou em nota. Confira na íntegra:

“A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) informa que as atividades escolares presenciais na rede pública estadual de ensino continuam suspensas por tempo indeterminado, como medida de prevenção e enfrentamento à pandemia da Covid-19. O retorno às salas de aula depende do andamento da curva epidemiológica de contaminação pelo novo coronavírus no estado e seguirá sempre as orientações da Secretaria de Estado de Saúde (SES).

Durante esse período de isolamento social, a SEE/MG está ofertando o Regime de Estudo não Presencial, com o objetivo apoiar os alunos da rede estadual de ensino de Minas Gerais a manter a continuidade do processo de ensino e aprendizagem. Ele é composto por um conjunto de ferramentas pedagógicas que funcionam de maneira complementar, de forma a atender o maior número possível de alunos: o Plano de Estudo Tutorado (PET), material com conteúdos e atividades divididos por disciplina e ano de escolaridade; o aplicativo Conexão Escola; e o programa de TV “Se Liga na Educação”.

O acesso aos PETs, instrumento estruturante e ferramenta principal da iniciativa, é feito pelos meios virtuais (site estudeemcasa.educacao.mg.gov.br, aplicativo Conexão Escola e via e-mail) e também são entregues de forma impressa para os alunos que não têm acesso à internet. O programa “Se Liga na Educação” são teleaulas transmitidas pelo canal aberto da Rede Minas e pelo Youtube da emissora e da Secretaria de Educação. A partir da próxima segunda-feira (22/06), ele também será exibido pela TV Assembleia. Já o aplicativo Conexão Escola, reúne os arquivos dos PETs, as videoaulas e uma sala de chat para interação entre aluno e professor. Vale destacar que a navegação no aplicativo para alunos e professores da rede estadual é custeada pelo Governo de Minas. Todas as informações sobre o Regime de Estudo não Presencial estão reunidas no site estudeemcasa.educacao.mg.gov.br.

A SEE/MG ressalta que quando as aulas presenciais retornarem, será aplicada uma avaliação diagnóstica nos estudantes da rede, que servirá para traçar o plano de revisão de conteúdo individualizado para cada estudante. Assim, será possível traçar estratégias de reforço escolar, por exemplo.”


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