Ressignificação dos hábitos de consumo pós-pandemia
As mudanças nos hábitos de consumo durante a pandemia vão tornar os consumidores mais ou menos conscientes?
Jornalismo – 5º período/ Grupo: Amanda Diniz, Luiza Rocha, Lucas Mendes e Paula Santana
Desde a drástica mudança na forma de consumir, devido ao início da quarentena, muitas dúvidas surgiram a respeito desse assunto. Como serão os hábitos de consumo pós-pandemia? É possível prever como será o mercado do futuro? O consumo consciente finalmente irá fazer parte da vida das pessoas? Questões como essas ainda não possuem respostas concretas porém, ao analisarmos o comportamento dos consumidores em países onde o comércio está sendo reaberto, conseguimos tirar algumas (pequenas) conclusões acerca do “novo normal” quando o assunto se refere ao consumo de moda.
É difícil dizer ao certo quais serão as transformações do comércio da moda depois da Covid-19, pois da mesma forma que não existirá apenas um único futuro, também não haverá um só comportamento de consumo. Veremos pessoas comprando mais do que antes em busca de eliminar o tempo perdido, outras passando a comprar menos por diversos motivos, sejam eles o desemprego, a falta de dinheiro, a consciência adquirida ou mesmo porque desejam gastar suas economias com outro tipo de produto.
Durante a live “O futuro do consumo e da comunicação”, realizada pela comunicadora e influenciadora Camila Coutinho, André Carvalhal, palestrante e consultor na área de moda disse que estamos passando por um momento no qual vamos começar a pensar e refletir mais sobre aquilo que compramos. Porém, ele não acredita que esse será um comportamento linear. “Acho que em cada lugar do mundo teremos comportamentos variados. Temos uma falsa imagem de que só existe um tipo de consumidor, e por isso a gente imagina sempre o que vai acontecer com o consumo como se só existisse um nicho de mercado, um perfil e uma cultura. E não é bem assim”, afirmou ele.
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Há especialistas que acreditam que a qualidade e o valor pautarão o consumo pós-pandemia. Em entrevista à Vogue Brasil, Natalie Klein, diretora e CEO da multimarcas NK Store, disse acreditar em um consumo mais consciente e responsável para o futuro. “As pessoas vão ter mais consciência e procurar marcas com história para contar, que tenham propósito de verdade, e não pregado na parede. Acho que o consumidor agora está mais ávido do que nunca a olhar para isso, e vão querer fazer compras a longo prazo, que são de qualidade. Eu torço para que isso aconteça”, concluiu.
REABERTURA DO COMÉRCIO
Observando outros países, no entanto o futuro que se desenha não é nada promissor. Lugares que começaram a lenta reabertura de comércios observaram também a formação de longas filas para adentrar em lojas. Os franceses se aglomeraram na frente da gigante de fast-fashion Zara e a grife Hèrmes faturou 2,7 milhões de dólar no primeiro dia pós quarentena na China. Isso tudo no primeiro dia de desconfinamento, naquele momento os bares e restaurantes não estavam nem abertos. As longas filas para adentrar em lojas foram parar nas redes sociais e reacenderam o debate sobre o futuro do consumo no mundo pós pandemia.
Parece haver um descolamento da realidade, é claro que muitas pessoas usaram o tempo em casa para refletir ou até mesmo customizar roupas que não usavam tanto, mas o movimento de ir às compras logo no primeiro dia de desconfinamento, após ficar dois meses em lockdown, é no mínimo perigoso. O comportamento não é de uma pequena parcela da sociedade, mas de uma massa de pessoas que não via a hora de voltar a comprar.
Podemos classificar esse tipo de atitude em relação ao consumo como “revenge buying”. O termo foi usado pela primeira vez na China, durante os anos 80, para descrever a demanda reprimida por produtos estrangeiros que foram negados à população quando o país foi fechado para o mundo.
Interessante também é pensar em que tipo de loja as pessoas estão formando filas, não é no pequeno produtor da loja de bairro, mas em gigantes do mundo da moda. As lojas, como a Zara, tem inúmeros escândalos de trabalho análogo à escravidão e de baixíssima remuneração aos trabalhadores, caso de várias grifes. É um pouco decepcionante pensar que durante um longo confinamento, que muitas pessoas usaram para repensar os hábitos, outros tantos voltaram aos mesmos moldes de consumo antigo, que além de não valorizar quem trabalha na linha de produção das roupas, esgota os (escassos) recursos do planeta.
No Brasil, o processo de desconfinamento ainda não teve seu ápice, com a abertura de shoppings centers e lojas de roupa, por exemplo, mas uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria mostrou que 3 em cada 4 brasileiros tem a intenção de continuar com o consumo reduzido mesmo após o fim da pandemia. Por outro lado, essa mesma pesquisa mostrou que roupas e calçados são itens que população tem mais intenção de comprar depois do fim do isolamento, além disso 47% dos entrevistados disseram que pretendem aumentar a frequência de visitas aos shoppings centers ao final de tudo isso.
O especialista André Carvalhal, ainda durante a live “O futuro do consumo e da comunicação”, reiterou que o mercado chinês é muito diferente do brasileiro e, por isso, não é possível comparar os hábitos de consumo da China com os que veremos no Brasil após o fim da quarentena. “A China é uma cultura muito específica, os chineses são hoje o maior público consumidor de luxo do mundo. Não acho que isso vai acontecer no mundo inteiro porque a realidade em cada lugar é diferente. Aqui no Brasil, a gente está tendo, talvez, o maior índice de desemprego do mundo. Já vínhamos de uma economia muito difícil, de um período bem apertado e agora mais ainda. Então não dá para a gente achar que todos vão sair comprando. Mas também não podemos esquecer que tem muita gente lucrando com a pandemia.”
SAÚDE MENTAL E CONSUMO
De acordo com a psicóloga Luana Nunes, do Conselho de Psicologia do Pará e Amapá (CRP10), a pandemia traz diversos desafios para a saúde mental da população mundial, que podem influenciar diretamente nos hábitos de consumo dos brasileiros.
Segundo dados da revista East Asian Arch Psychiatry, quando o coronavírus causador da Sars matou, entre 2002 e 2003, cerca de 800 pessoas no mundo, 42% dos sobreviventes desenvolveram algum tipo de transtorno mental. E a maioria das pessoas sofreu com o transtorno pós traumático e ansiedade.
As mudanças na rotina, o medo de contrair a doença e demais inseguranças a respeito do futuro aumentam quadros de ansiedade na população, de acordo com a psicóloga. Em relatório divulgado no ano de 2019 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo, com mais de 18 milhões de brasileiros vivendo com o transtorno e, diante da pandemia, esse número tende a aumentar.
Um dos distúrbios relacionados que podem ser derivados da ansiedade é a Compulsão por Compras. O ato de comprar gera um prazer momentâneo, que apesar de ser uma válvula de escape para as tensões do período de pandemia. No entanto, imediatamente após a compra, o paciente sente culpa por ter comprado e é cedido novamente ao vício.
O enfrentamento a esta doença, que exige o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar com profissionais da psicologia e psiquiatria, além de ser um dos desafios psicossociais na pandemia e para o futuro próximo, está diretamente ligada com os hábitos de consumo da população brasileira e acende a luz para um outro debate: o dos mecanismos de compensamento que a mente humana cria, ao associar o consumo ao alívio das mazelas mentais.
As principais dicas para que o paciente controle a compulsão, por exemplo, são sair de casa com o dinheiro necessário das despesas diárias, questionar a necessidade de adquirir o objeto de desejo e se lembrar de como se sente após ter sido feita a compra.
No entanto, o cenário de praticidade das compras online, que podem ser feitas com apenas um clique no celular ou computador, dificulta o controle desta doença. Somente em abril deste ano, o e-commerce cresceu 81% de acordo com a revista Compre&Confie e apesar deste número não ter uma relação direta com a compulsão, o hábito de comprar pela internet tende a se tornar um hábito cada vez maior entre os brasileiros.
De modo geral, podemos dizer que a pandemia do novo coronavírus irá modificar e ressignificar as formas de consumo da população. Seja de maneira consciente ou desesperada e até mesmo compulsiva. Os novos hábitos e comportamentos adquiridos em meio à quarentena, provavelmente, terão implicações duradouras em um cenário pós Covid-19. O comércio eletrônico, e-commerce, acabou sendo uma resposta à sobrevivência de diversas marcas diante do isolamento social e deve continuar ganhando espaço ao final da pandemia. Com as medidas de distanciamento implantadas desde março, as vendas online cresceram em todo o Brasil.
Os reflexos da crise serão diferentes em cada país, mas é inegável dizer que os hábitos de consumo serão modificados em todo o mundo. Devido ao alto índice de desemprego no Brasil e a dificuldade financeira de grande parte da população diante do isolamento social, é possível imaginar que muitos diminuirão o consumo após a pandemia. No entanto, empresas virtuais têm lucrado de maneira exponencial diante da atual pandemia, como é o caso da Amazon, Rappi, Ifood, Americanas, entre outras que intensificaram seus serviços de delivery durante a pandemia. Somado, também, à parcela de pessoas que desenvolveram transtornos psicológicos durante o isolamento e tendem a aliviar a ansiedade nas compras. Portanto, é possível dizer que os rumos comportamentais da sociedade acerca do consumo pós pandemia são incertos, mas, sem dúvidas, serão significativos.