Yuval Noah Harari: o homem em sua forma literária
Por Yann Santos
“Há cerca de 13,5 bilhões de anos, a matéria, a energia, o tempo e o espaço surgiram…”. Assim inicia-se a história do universo — segundo a teoria do Big Bang — e o primeiro livro do PhD em História pela Universidade de Oxford, Yuval Noah Harari. “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, publicado no Brasil em 2014, rapidamente se tornou um best-seller mundial. A maneira com que o professor israelense conduz o leitor pela história humana — desde as primeiras estruturas atômicas até a nossa forma atual — gerou uma grande demanda pelo seu trabalho. Em 2016 e 2018 chegaram ao mercado editorial brasileiro os livros “Homo Deus” e “21 Lições para o Século 21″, respectivamente. Ambos conseguiram conquistar o público — bem como a crítica especializada — e também entraram para as listas dos livros mais vendidos.
As três obras juntas formam um amálgama de Ciências Humanas e Ciências Biológicas. Em “Sapiens”, Harari divide a história da humanidade em três grandes revoluções: a Cognitiva, a Agrícola e a Científica (sequencialmente), e analisa os aspectos que permitiram à espécie humana estender seus domínios pelo mundo. Já em “Homo Deus”, damos um salto no futuro. O historiador examina o passado e a contemporaneidade, e reflete sobre uma posteridade em que os avanços da engenharia genética possivelmente nos permitirão transcender o Homo sapiens e atingir o “Homo Deus”. No livro “21 Lições para o Século 21”, o autor trabalha a atual conjuntura mundial. A guerra comercial entre Donald Trump e Xi Jinping; o Brexit; a imigração nos Estados Unidos… Esses assuntos preenchem as páginas da obra de uma maneira sensível e bem estruturada.
Os livros de Harari tratam de temas que envolvem a condição animal nas cadeias de produção, o antropomorfismo (atribuição de características humanas a deuses e a animais), a biotecnologia, a inteligência artificial etc. Esse abrangente conjunto de assuntos gira em torno de uma grande premissa central: os Sapiens sobrepujaram a natureza através do imaginário coletivo. Conseguimos dominar as outras espécies devido à nossa incrível capacidade de construir redes complexas de pensamento. Sistemas de troca definidos por simples tiras de papel; o intercâmbio de artigos; linhas invisíveis que delimitam fronteiras; os direitos humanos; os regimes políticos… Tudo isso é parte do imaginário coletivo. A aura filosófica paira sobre o mundo — mesmo quando conclamam a sua extinção.
Segundo algumas predições, a filosofia está morrendo — ou, de acordo com o astrofísico Stephen Hawking, já “está morta”. Alguns pesquisadores afirmam que os grandes questionamentos filosóficos — “o que é o homem?”, “para onde vamos?”… — foram respondidos pela física moderna: inexiste uma substância metafísica que nos permitirá alcançar a vida após a morte; os homens são um conjunto de células e de conexões sinápticas que serão engolfados pelo universo e esquecidos no vazio do cosmos. Os cientistas têm respostas para uma série de questões, mas, segundo Harari, eles não conseguiram explicar, por exemplo, a consciência humana — “Os cientistas não sabem como um conjunto de sinais elétricos cerebrais cria experiências subjetivas” (Harari, em Homo Deus). Enquanto existirmos, Immanuel Kant e a “Crítica da Razão Pura” continuarão no centro do entendimento humano.
Passando pelos grandes impérios do Ocidente e do Oriente Médio, o autor mostra como os sistemas abstratos de imaginação criam efeitos palpáveis nas extensões do globo. Sua dialética é sui generis: ele traz à luz, através de uma narrativa simples e coesa, as redes intersubjetivas que envolvem os Sapiens e explica como desenvolvemos o nosso poder sobre a natureza. Yuval Noah Harari conseguiu elucidar a complexidade constitutiva dos seres humanos.